A tendência de queda no preço da energia em novos contratos de longo prazo trará alívio futuro às grandes indústrias, mas não anula no curto ou médio prazos a pressão de custos dos últimos anos. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Paulo Pedrosa, as empresas que estão no mercado livre, grandes consumidores atendidos a partir de contratos, e não via distribuidoras, devem carregar por anos as condições menos favoráveis de acordos assinados principalmente em 2014.
A situação adversa aos consumidores livres teve origem na crescente preocupação quanto a um possível racionamento. Naquele momento, geradores de energia elevaram os preços de contratos de fornecimento, sobretudo para o curto prazo (2015). Os clientes, preocupados em evitar um desabastecimento ou o risco de serem obrigados a comprar energia ainda mais cara no mercado spot, aceitaram as condições. Um segundo movimento liderado pelos fornecedores de energia condicionava a oferta de um preço menos elevado a contratos mais extensos.
“As empresas que renovaram os contratos contaminaram suas carteiras com valores mais altos. O consumidor, com isso, travou o risco, deixou de pagar o mico (dos preços mais elevados em 2015), mas terá de lidar com o novo custo dos contratos no longo prazo”, sintetiza Pedrosa.
Uma indústria química, cujo nome não foi revelado pela Abrace, foi uma das empresas a enfrentar essa situação em 2014. Para fugir de um contrato de curto prazo com preço na casa de R$ 450/MWh à época, a empresa aceitou assinar um contrato flat de cinco anos, segundo a entidade. Embora os preços fossem inferiores aos R$ 450/MWh, o que garantiria menor pressão de curto prazo nos custos de produção, os valores do acordo com validade até 2019 foram estabelecidos em patamares superiores aos preços praticados em acordos antigos.
A Tractebel, maior geradora privada do País e principal fornecedora de energia ao mercado livre, foi uma das beneficiadas. O preço médio de venda de energia da geradora no primeiro semestre deste ano ficou em R$ 168,7/MWh, contra R$ 146,4/MWh do mesmo período de 2014. Houve, portanto, um aumento de 15,3% em apenas um ano no preço médio do balanço de energia da companhia, o qual considera os valores praticados em contratos no mercado livre, mas também o valor da energia vendida em leilões.
“Essa onda de preços altos vai contaminar a competitividade da indústria por algum tempo. A energia hoje está menos cara do que se eu quisesse contratar dois anos atrás, mas isso não significa que temos como substituir todos os contratos neste momento”, alerta o presidente da Abrace. Desde o início deste ano, o valor médio de contratos válidos entre 2016 e 2019 já caiu mais de 20%, segundo dados da empresa de informação e análise de risco Dcide.
Competitividade
A Abrace destaca que o custo unitário da energia para a indústria cresceu em média 10,3% ao ano, contra uma inflação média de 6,5% ao ano. O período analisado foi de 2000 a 2012, anterior, portanto, à redução de tarifas proposta pelo governo federal, no final daquele ano. Os números, por outro lado, também não consideram a disparada dos preços em 2014.
“Isso significa que, se falarmos de um contrato com energia a R$ 200/MWh, tratamos de um contrato caríssimo para um grande consumidor industrial que tem de 40% a 50% do custo da produção associada à energia”, analisa a coordenadora de Energia da Abrace, Camila Schoti.
Mas o custo mais elevado da energia, pondera Pedrosa, não está associado apenas aos contratos renovados durante um período desfavorável aos consumidores. Mudanças promovidas pelo governo federal desde o início do ano também afetaram os consumidores de energia, sejam eles os clientes do mercado cativo (atendidas pelas distribuidoras), do mercado livre (acordos de longo prazo) ou ambos.
Desde janeiro o governo já adotou o sistema de bandeiras tarifárias, o qual aumenta o preço das tarifas sempre que o custo de geração de energia está mais elevado, e aprovou o reajuste tarifário extraordinário (RTE) para quase todas as distribuidoras do País.
Aos grandes consumidores, pesou a decisão federal de interromper o aporte de recursos ao setor elétrico. Essa medida ocorreu justamente em um momento no qual o governo deveria assumir despesas associadas ao fornecimento especial para a baixa renda, entre outros gastos. A medida foi alvo de crítica pela Abrace, que ingressou na Justiça com um pedido de liminar contra o pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), conta que incorporou tais despesas.
“A essência da liminar é mostrar que os custos que não eram da indústria, e deveriam ir para o Tesouro, foram repassados para nós”, diz Pedrosa. De acordo com o executivo, o custo da CDE poderia vir a representar, em um prazo de 12 meses, o equivalente a até 200% do resultado obtido por empresas em 2014.