Impunidade beneficia quem sonega

Brasília

e Porto Alegre  – Sonegar no Brasil ainda é um crime que parece estar longe de assustar grandes empresários. O industrial Horst Volk, dono da Ortopé, que no passado chegou a ser um império na fabricação de calçados infantis no País, foi condenado a cinco anos e dez meses de prisão por sonegação. No entanto, ele vive hoje tranqüilamente foragido numa pequena cidade alemã, com pouco mais de cinco mil habitantes, na região da Floresta Negra. No patrimônio de Volk consta, entre muitos bens, uma mansão cinematográfica em Gramado, de onde chegou a ser prefeito. Sua casa é hoje um dos pontos turísticos da cidade.

Mesmo sabendo que estava sendo processado e investigado, Volk não se intimidou em ostentar sua riqueza e, em 1994, abriu sua casa para a revista “Caras”, revelando um estilo de vida nababesco. A reportagem revelou aos fiscais da Receita sinais de riqueza que contradiziam as alegações de Volk acerca das dificuldades financeiras da Ortopé.

Na semana passada, Volk voltou a ter no horizonte a chance de voltar a desfrutar do glamour e da convivência com diretores e astros do cinema no Festival de Cinema de Gramado, do qual foi um dos grandes incentivadores. Foi ele quem deu o livro “Videiras de Cristal”, do escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis Brasil, ao diretor Fábio Barreto, que o usou como ponto de partida para o filme “A paixão de Jacobina”, lançado esse ano. A 7.ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região reduziu a pena do empresário de cadeia para prestação de serviços à comunidade.

O advogado Ney Fayed Júnior, que representa Volk, não quis comentar o caso. O filho do empresário Paulo Volk, que atualmente está no comando dos negócios da família, foi procurado, mas não foi localizado. O caso da Ortopé não é o único.

O respeitado presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Francisco Renan Oronoz, um dos principais líderes da classe empresarial gaúcha, foi condenado a um ano e oito meses de prisão pela Justiça do município de Rio Grande, sob acusação de evasão de divisas e de realizar operações de câmbio não autorizadas pelo Banco Central. Ele é proprietário da indústria de produtos de couro Fasolo, de Bento Gonçalves (RS). Oronoz responde ao processo em liberdade e continua desfrutando do poder de influência da Fiergs.

– Os procedimentos a que se refere a ação em questão foram feitos sob orientação de tributaristas de renome. Só me manifestarei depois do trânsito das decisões judiciais pertinentes – disse ele.

Volk também desfrutou de cargos de prestígio no meio empresarial gaúcho tendo sido presidente da Associação Brasileira de Empresas de Calçados e diretor da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). O dono da Ortopé chegou a ficar preso no Presídio Central de Porto Alegre e conseguiu transferência para cumprir pena na cadeia de Gramado, em regime semi-aberto, tendo que se apresentar na prisão apenas à noite.

Empresário de hábitos discretos, Michael Ceiclin, presidente da Éberle Mundial, famosa na fabricação de talheres e produtos de cutelaria, coleciona três condenações e conseguiu escapar de todas elas. O grupo da Éberle inclui ainda a Zivi e a Hércules. Ceiclin mora atualmente em São Paulo e procura não ostentar seu polpudo patrimônio. O empresário enfrenta 16 ações penais contra ele, que envolvem uma sonegação calculada em torno de R$ 100 milhões.

Para não comprometer seu padrão de vida, Ceiclin vem recorrendo a manobras jurídicas de seus advogados no Supremo Tribunal Federal. Essas manobras podem levar vários dos processos contra o empresário a prescreverem até que saia a sentença da Justiça. Ceiclin alega que decidiu não pagar os tributos para evitar a falência da empresa que dirigia. A Éberle foi fundada em 1896, sendo a mais antiga em seu ramo do país.

– Quando assumi a direção da empresa fiquei entre duas alternativas. Quebrar e fechar nossas unidades ou deixar de pagar determinados impostos. Optei pela segunda situação. Acredito que fiz a escolha certa, porque estamos no caminho da recuperação e da regularização de todas as nossas pendências. Estamos hoje numa situação de recuperação, temos tido balanços positivos, embora as dívidas ainda sejam grandes – disse Ceiclin.

Segundo ele, a empresa vinha enfrentando dificuldades desde a década de 80, com passivos tributários da ordem de R$ 200 milhões.

– Ela (a empresa) continuou por um período não pagando impostos. E fomos denunciados por inadimplência e não por sonegação fiscal. A partir de 1999, passamos a participar do Refis, reescalonando nossas dívidas, com a conversão dos débitos. Por esse acordo, pagamos, mensalmente 1,2% da receita bruta sobre o nosso faturamento e estamos com os impostos em dia. Tivemos que fazer uma recomposição séria de nossa empresa. Em meados dos anos 90, tínhamos 9.200 funcionários. Na atualidade temos 3.600, faturando o dobro do que a gente faturava -diz.

Condenado por sonegação fiscal e evasão de divisas no valor de mais de R$ 36 milhões pela Justiça Federal de Caxias, Ademar Kehrwald, ex-dono da Datacontrol, chegou a ficar preso no presídio central de Porto Alegre por quase dois anos, mas foi solto e hoje mora em uma de suas megafazendas na fronteira do Brasil com o Uruguai. Atualmente, pessoas próximas ao empresário contam que ele vive de empresas ligadas à agropecuária. Sua condenação foi dada em primeira instância e mantida em segunda instância pelo STJ, mas os advogados conseguiram que o STF anulasse o processo.

Kehrwald está sendo defendido pelo mesmo advogado do dono da Ortopé. O advogado Ney Fayed Júnior afirmou que também não comentaria o caso de Kehrwald.

– Não costumo falar sobre os casos de meus clientes. Como advogado, prefiro resguardar o direito de não comentar – disse Fayed Júnior.

Segundo a Justiça Federal, Kehrwald é proprietário de bens de valor elevado no Brasil, entre eles fazendas somando 30 mil hectares de terra e 17 mil cabeças de gado no fronteira com o Uruguai. Kehrwald chegou a ser dono da maior rede de escolas de informática do país, a Datacontrol, com 71 unidades. Patrocinou nos seus tempos áureos, as equipes de futebol, do Vasco da Gama e do São Paulo. O time de basquete feminino, da cidade de Francana (SP), cuja estrela era a jogadora Hortênsia. Também patrocinou o piloto de Fórmula Indy Roberto Pupo Moreno.

Estas punições, embora esbarrem numa série de dificuldades para serem efetivamente cumpridas, têm saído da Justiça do Rio Grande do Sul.

– Aqui não se cometem mais crimes, quando comparado com outros lugares. Apenas não se deixa que eles fiquem impunes – afirma o desembargador Teori Zavascki, presidente do Tribunal Regional Federal 4a. Região, que tem jurisdição sobre Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Os números da Receita Federal, no entanto, mostram que a impunidade no caso de crimes de sonegação atinge níveis alarmantes. Levantamento revela que dos 6.631 processos, envolvendo mais de R$ 10 bilhões em sonegação de impostos, encaminhados pelo Ministério Público em 1998 para o tribunal, apenas 140 resultaram em condenação.

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