Comprar o que comer sempre fica mais caro por causa da pesada carga tributária. |
Rio (AG) – O Brasil é o país que mais cobra impostos no setor de alimentos num ranking de 15 países ricos e emergentes. A média da carga tributária nacional embutida nos preços atinge 18,35% – se considerados ICMS, PIS e Cofins, que correspondem a quase 70% do peso dos tributos. Uma notícia ruim, já que, segundo especialistas, os impostos elevam os preços dos alimentos, afetando diretamente o bolso das famílias brasileiras. Na vizinha Argentina, essa taxa é alta, mas é menor, de 17,44%. Na comparação com os Estados Unidos (EUA), a situação piora: a carga brasileira é quase o dobro da americana (9,75%). E na Colômbia, é ainda mais baixa: 7,91%. As conclusões são de pesquisa do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que analisou a incidência de impostos em 18 produtos.
?O Brasil se destaca porque, em geral, os países têm apenas um tributo. Aqui há uma quantidade enorme de impostos, que pesam muito no valor do alimento. É difícil encontrar um sistema tão complexo quanto o nosso. E, com isso, quem paga a conta é o consumidor. Em especial, o mais pobre?, disse o tributarista Gilberto Amaral, presidente do IBPT.
Pelas contas do instituto, se considerados todos os tributos do setor, incluindo Imposto de Renda, contribuição social, IPI, INSS e CPMF, a carga tributária do Brasil é ainda mais pesada, chegando a 26,52%. Perde apenas para a da Suécia (27,14%) – que tem três vezes e meia a renda per capita brasileira. Mas fica bem na frente de EUA (14,20%), Venezuela (10,38%) e Colômbia (10,17%).
?Um país com tantas pessoas pobres não poderia ter uma tributação tão pesada assim?, ressaltou o tributarista do IBPT.
Amaral faz questão de frisar que a política tributária brasileira sobre os alimentos pesa ainda mais no orçamento das pessoas de baixa renda. Isso porque ricos e pobres pagam o mesmo imposto para se alimentar. Exemplo: a carga sobre o macarrão, de 35,20%, em média, é a mesma para todos os brasileiros.
?Um erro. O impacto do imposto sobre quem tem menos renda é enorme, o que diminui naturalmente seu poder de compra. Isso é retrato da nossa política tributária, que penaliza o consumo e não acompanha o aumento de renda. Prova disso é que Imposto de Renda arrecada menos do que todos os tributos. Os alimentos correspondem a um terço dos gastos das pessoas de baixa renda?, disse Fernando Gaiger, especialista do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea).
?Isenção de imposto não pode ser privilégio de quem quer comprar carro importado. Alimento, assim como remédio, é necessidade básica. Por isso, a atual carga é um estímulo à desigualdade social?.
Segundo Gaiger, a tributação de alimentos enfrenta outra distorção. É que os estados pobres do País são aqueles que mais cobram impostos.
Brasília, por exemplo, tem política de isenção de impostos para produtos da cesta de alimentos e medicamentos. Mas o Rio Grande do Norte não abre mão de sua arrecadação. É que o estado precisa mais de arrecadação do que de consumo.
Os supermercados também criticam o peso dos tributos sobre os produtos alimentícios. Segundo Arthur Sendas Filho, membro do conselho de administração das Sendas, os consumidores encontrariam preços mais em conta, caso a tributação fosse menor.
?O Brasil não poderia se dar ao luxo de tributar alimentos. Até porque, para a população de renda baixa, a principal despesa é o alimento?.
Para José Cezar Castanhar, professor da Ebape/FGV, a tributação sobre os alimentos também é um equívoco. Essa taxação alta torna o alimento mais caro, não estimula o consumo e não valoriza uma política de alimentação saudável.
Diante de tantos impostos, os mais pobres ficam sem condições de melhorar seu consumo de nutrientes e o País não consegue otimizar seu mercado interno.
Castanhar acrescenta que os consumidores desconhecem o quanto os impostos pesam nas compras: ?As pessoas nem sabem o que estão pagando.?
A corretora de planos de saúde Miriam Figueiredo, de 55 anos, e sua irmã Conceição, de 53, gastam cerca de R$ 600 no supermercado todo o mês. Assim como boa parte dos brasileiros, desconhecem o tamanho da mordida dos impostos nas compras.
?Sabemos que os impostos pesam, mas não sabemos o quanto. Talvez os supermercados pudessem informar isso com o preço. Estou certa de que, com menos imposto, poderíamos comprar mais com o mesmo dinheiro?, diz Miriam.
Procurada, a Receita Federal não quis comentar o estudo do IBPT.
Isenção incluiria no mercado 24% dos indigentes
A isenção de tributos sobre os alimentos reduziria a população indigente de 11 áreas urbanas brasileiras em 24,2%. E ainda em 7,1% o número de pobres dessas regiões. É o que mostra estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que analisou o impacto da carga tributária sobre alimentação com base em dados do IBGE.
Segundo um dos autores da pesquisa, Fernando Gaiger, os preços mais baixos de alimentos beneficiam especialmente os mais pobres:
A população indigente, que está em situação de risco alimentar, passaria a ter uma renda superior, já que os preços dos alimentos cairiam.
Além de ajudar a reduzir os preços, a isenção de impostos também estimularia a economia ao elevar o consumo, lembra Claudio Considera, economista do Ibmec e ex-secretário de Acompanhamento Econômico.
?Essa movimentação da economia contribuiria, e muito, para tirar muitas pessoas da indigência e da pobreza. Um governo como esse, que levanta a bandeira do Fome Zero, deve pensar mais no assunto?, diz Considera.
A isenção de tributos sobre alimentos traria ainda outros benefícios. Segundo estudo de Tatiane Menezes (Universidade Federal de Pernambuco) e Carlos Azzoni (Unicamp e USP), em conjunto com Gaiger, haveria aumento de até 25% no consumo de itens da alimentação.
?Essa é outra conseqüência. Com redução de preço e aumento do poder compra da renda, abre-se um espaço maior para o consumo?, diz Gaiger.
Para Arthur Sendas Filho, do grupo Sendas, o repasse da isenção de impostos seria de imediato. Com isso, acrescenta ele, o aumento de consumo viria a reboque ?Se o custo cai 10%, acredito num aumento de consumo de 10%. Se cai 20%, o aumento será de 20%. E isso gera uma cadeia positiva: com mais consumo, a empresa cresce e gera empregos.?
O diretor da rede Princesa João Márcio Gomes diz que os supermercados se sentiriam pressionados a baixar preços: ?Essa redução é automática. A concorrência levaria para esse caminho. Caso contrário, o supermercado ficaria com fama de caro.?
Ainda que exista muita resistência política para a implantação de tributação zero para os alimentos, Considera menciona outros benefícios: ?A isenção de tributos poderia ter impacto, inclusive, na taxa de mortalidade infantil, que está associada à carência alimentar da mãe.?
Aliviar o imposto dos alimentos é viável, acredita Ivan Wedekin, secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura. E, como exemplo, cita a medida provisória de desoneração tributária e incentivo ao desenvolvimento e ao investimento, a MP do Bem. As ações incluem incentivos para exportações, inovação tecnológica, inclusão digital, construção civil, agronegócio e representam uma renúncia fiscal total de R$ 4,8 bilhões: R$ 1,5 bilhão este ano e R$ 3,3 bilhões, em 2006: ?É preciso ampliar esses esforços para alimentos.?