O novo desafio dos pesquisadores do Iapar – Instituto Agronômico do Paraná – é obter um feijão com elevados teores de ferro, proteína e fibras, utilizando os métodos clássicos e tradicionais de melhoramento genético. O programa de melhoramento genético do feijoeiro, criado em 1974, tem trazido importantes resultados que beneficiam os produtores desse alimento fundamental na dieta dos brasileiros.
O Iapar já desenvolveu e lançou cultivares resistentes ao mosaico dourado – doença que impedia o cultivo de feijão de primeira safra nas regiões mais quentes do País – e colocou à disposição dos agricultores variedades com elevado potencial produtivo, em torno de 4 mil quilos por hectare para o cultivo do feijão das águas no Paraná.
Até o ano passado, o Iapar, órgão oficial de pesquisa agropecuária do governo do Paraná, vinculado à Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, lançou 17 variedades de feijoeiro. A partir de 1992 obteve, com o lançamento da cultivar Iapar 57 (grão do grupo carioca), o primeiro material brasileiro com resistência ao mosaico dourado do feijoeiro, uma das mais danosas doenças dessa cultura, que pode causar perdas na produção de até 100% em lavouras de cultivares suscetíveis.
O mosaico dourado, causado pelo vírus “Bean Golden Mosaic Vírus” (BGMV), surgiu no Sul do Brasil no início da década de 70 e tem inviabilizado o cultivo de feijão da safra da seca (de janeiro a abril, no Paraná) nas regiões de clima mais quente do Paraná e São Paulo. Atualmente, com exceção de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, ocorre em todos os estados brasileiros produtores de feijão.
Em 1993, foram lançadas as cultivares Iapar 65 (grão preto) e Iapar 72 (grão do grupo carioca), também resistentes ao mosaico. A revista norte-americana Plant Disease, periódico oficial da Sociedade Americana de Fitopatologia, publicou na edição de julho de 1999 o artigo Resistance to bean golden mosaic virus in bean genotypes, em que o pesquisador Anésio Bianchini, da Área de Proteção de Plantas do Iapar, responsável pelo projeto de obtenção de resistência às viroses que afetam o feijoeiro, enfoca os tipos e grau de resistência ao mosaico presente nessas cultivares e em outras linhagens de feijão desenvolvidas pela instituição.
Pioneirismo
“A obtenção de cultivares resistentes ao mosaico dourado permitiu a volta da recomendação do cultivo do feijoeiro, na safra da seca e outono-inverno (também denominado erroneamente de ?safrinha?), no Estado do Paraná, nas regiões de clima mais quente. Esta tecnologia favoreceu principalmente o pequeno produtor porque é uma alternativa de alto rendimento (maior lucro por área e tempo) para após culturas de verão e também viabilizou o cultivo do feijão orgânico nas regiões afetadas pela virose”, afirma Bianchinni.
De acordo com o pesquisador, o Iapar também foi o primeiro órgão de pesquisa brasileiro a desenvolver materiais resistentes ao crestamento bacteriano, doença altamente danosa à cultura do feijão no Brasil e em outros países produtores, para a qual não há controle químico. São as variedades Iapar 14 e 16, lançadas no ano de 1984. Todo este trabalho tem sido realizado através do melhoramento convencional, sem o uso de transgenia, utilizando métodos naturais de cruzamento entre plantas, conforme explica o pesquisador.
Proteína barata
Desenvolver novas variedades de feijão com teores mais elevados de ferro, proteína total e fibras solúveis, ajuda a suprir carências nutricionais e prevenir doenças da população, já que a leguminosa é um dos principais alimentos que compõem a dieta do brasileiro. O desafio é conseguir agora o desenvolvimento de linhagens de feijoeiro com pelo menos 27% de proteína total, com teor de ferro de 8mg/100g de matéria seca e cerca de 25% a mais de fibras solúveis (no quadro, a seguir, os resultados esperados com o desenvolvimento do projeto).
Pesquisadores do Iapar já conseguiram criar variedades com teor médio de proteína em torno de 22%. Agora estão trabalhando no projeto que visa a criação de linhagens de feijão mais ricas ainda em proteína total (com até 27% de proteína total, o que significa um aumento em mais de 20% dos teores atuais), ferro e fibras solúveis. Em outras palavras, mesmo com consumo reduzido, ao consumir feijão enriquecido ou “biofortificado”, sem aumentar a quantidade ingerida diariamente, as pessoas poderão ter supridas suas necessidades diárias desses elementos que, além de contribuir para uma boa nutrição, podem evitar doenças .
“O desenvolvimento dessas cultivares de feijoeiro representa uma importante estratégia para nutrir e manter a saúde da população, contribuindo de forma eficaz para reduzir a má nutrição e a deficiência de ferro e, conseqüentemente, da anemia na população brasileira, particularmente das pessoas mais carentes, que têm no feijão a sua principal base alimentar”, argumenta o presidente do Iapar, Onaur Ruano. O projeto visa disponibilizar aos agricultores sementes de variedades de feijão mais nutritivas, obtidas através do cruzamento recorrente, método de pesquisa convencional que não utiliza a transgenia.
Alimento funcional
Alimento funcional é qualquer alimento em forma natural ou processada, que proporciona comprovadamente benefícios à saúde, podendo prevenir e controlar doenças, além de satisfazer as necessidades nutricionais básicas. São aqueles considerados como promotores de saúde e que podem estar associados à diminuição de riscos de algumas doenças. “E a maior vantagem do feijão funcional é que não se exige a mudança de hábito alimentar do consumidor”, afirma.
De acordo com dados da FAO, órgão das Nações Unidas voltado para a agricultura, uma pessoa adulta, com atividade física moderada e que consome diariamente apenas 30 gramas de feijão seco (consumo considerado baixo), obtém 28% da necessidade de ferro requerida por seu organismo. Quem inclui 60 gramas de feijão na dieta diária consegue 60% do ferro necessário e, aqueles que consomem 130 gramas obtêm 100% da quantidade de ferro necessária. Como o consumo médio da leguminosa vem diminuindo, mesmo ingerindo uma pequena quantidade diária de feijão biofortificado, a população brasileira terá acesso a um alimento que poderá suprir toda a sua necessidade de ferro, eliminando-se uma das principais causas da anemia que atinge milhões de brasileiros, de todas as classes sociais.
Cultivo orgânico
Outra vertente do programa de melhoramento genético do feijoeiro é a geração de variedades produtivas e com boas qualidades culinárias destinadas ao sistema de cultivo orgânico, conforme relata Nelson da Silva Fonseca Júnior, pesquisador da Área de Melhoramento e Genética do Iapar. “O foco, neste caso, é obter variedades que consigam ser úteis para diferentes tipos de produtores (pequenos, médios e grandes), que utilizam diferentes níveis de tecnologia e que agreguem valor se cultivadas no sistema de produção orgânica, beneficiando o produtor, o consumidor e o meio ambiente”.
O pesquisador compara o feijão a um medicamento. “O feijão é um ótimo remédio contra a fome. Nossos produtores sabem como alcançar uma excelente produção de feijão e, se produzirmos além da conta, podemos alimentar outros países cuja população tem sérias deficiências nutricionais, pois a fome não tem fronteiras”, afirma Nelson.
Além disso, ele lembra que, no Brasil, praticamente em cada mês há uma região colhendo feijão. “Se o governo federal quiser acabar com a desnutrição deve criar mecanismos eficientes que garantam preço justo e segurança de comercialização ao agricultor e que esse produto nobre e rico em nutrientes seja efetivamente destinado aos bolsões de pobreza, beneficiando, não apenas a população mais carente, como o Brasil como um todo”, propõe.
Com o desenvolvimento de variedades de feijão mais produtivas e resistentes a doenças e adaptáveis a diferentes fatores climáticos e condições diversificadas de solo, os pesquisadores têm conseguido implementar também algumas mudanças nos sistemas de produção hoje adotados em várias regiões, o que fortalece ainda mais a agricultura paranaense.
Atualmente o Iapar produz sementes genéticas (desenvolvidas e produzidas pela Área de Melhoramento e Genética) e sementes básicas (produzidas pelo Programa de Propagação Vegetal, a partir das sementes genéticas) das cultivares Iapar 81 e IPR Juriti (carioca), IPR Uirapuru e IPR Graúna (preto), que são multiplicadas por esses produtores de semente com base em contratos de parceria.