Há quem veja céu de brigadeiro para 2004

A dobradinha crise e recuperação, que tantas vezes se repetiu na economia brasileira nos últimos anos, deve ocorrer novamente em 2004. Depois de um ano de crescimento econômico pífio ? a projeção é de uma alta no Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país) de só 0,2% em 2003 ? os economistas são unânimes em afirmar que, para 2004, o horizonte é de céu de brigadeiro. Muitos lembram que o desempenho deste biênio 2003-2004 será semelhante a 1999-2000: depois de uma crise cambial, o governo restaura a credibilidade, sobe juros para evitar a inflação e, num segundo momento, as taxas caem e a economia volta a crescer.
 
Com a vantagem de que, agora, o país parece ter completado seu ajuste nas contas externas. A previsão é de um saldo comercial positivo em US$ 19 bilhões no ano que vem, contra um déficit de US$ 690 milhões registrado em 2000. Os dólares das vendas externas, dizem os economistas, servem de blindagem anticrise. E os ventos que vêm de fora são favoráveis: há previsão de forte crescimento econômico nos EUA e de recuperação na Europa e Japão. Com isso, e frente a uma base de comparação muito fraca de 2003, será fácil a economia crescer 3,5% em 2004, prevêem os analistas.

? É impossível não ficar otimista com 2004. Desde 1996, não chegamos em dezembro com tantas precondições favoráveis para o ano seguinte ? afirma o economista Antônio Licha, da UFRJ. ? Resta saber se este impulso vai se manter em 2005 e 2006. Mas, para o ano que vem, não há dúvidas.

Licha estima expansão do PIB de 3,5% em 2004. O crescimento já deu os primeiros passos este ano, diz o economista, lembrando que a venda de bens duráveis (eletroeletrônicos e automóveis) cresceu em julho e agosto. Em outubro e novembro, acrescenta, houve aquecimento no setor de bens de capital (máquinas e equipamentos), com maior volume de importações.

No segundo semestre de 2004, acredita Licha, uma melhora na renda dos trabalhadores deve permitir a expansão do setor de bens não-duráveis (alimentos e vestuário, por exemplo). Ele só vê riscos no horizonte a partir do fim do ano que vem, quando a falta de investimentos das indústrias ou os gargalos no setor de infra-estrutura poderiam criar obstáculos ao crescimento.

As contas externas do país deixaram de ser o foco das preocupações. O economista Andrei Spacov, do Unibanco, acredita que já faz parte do passado o enredo de expansão econômica que leva a aumento do déficit comercial, alta do dólar, inflação, juros mais altos e, finalmente, freio na atividade econômica.

? Assim como em 1999, o ano passado também foi de crise cambial. Mas, naquela ocasião, a recuperação posterior foi abortada porque ainda havia restrição no balanço de pagamentos ? lembra Spacov.

? Agora a situação é diferente. Ao longo de 2002, fizemos um ajuste de US$ 20 bilhões nas contas externas. Com isso, mudou a taxa de juros real de equilíbrio e criou-se um novo patamar de potencial de crescimento econômico.

Em 2001, o déficit nas trocas do Brasil com o exterior foi de US$ 23,2 bilhões. Este ano, o país vai fechar com um superávit estimado em US$ 2,7 bilhões. Baseado nesses números, Spacov acredita que o cenário é favorável não só para 2004 como também para os anos seguintes:

? O país passou por um ajuste estrutural que criou um horizonte melhor de mais longo prazo.

Mas as expectativas otimistas para 2004 podem ser parcialmente frustradas no que diz respeito ao mercado de trabalho. O economista Lauro Ramos, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra que, apesar da crise, em 2003 houve aumento de 3,5% nos postos de trabalho. Mas as vagas criadas foram, em sua maioria, de má qualidade e baixa remuneração. Ramos espera que, em 2004, haja postos de trabalho melhores.

? Os analistas podem se decepcionar com o mercado de trabalho em 2004 se olharem os indicadores errados. Parte dos efeitos esperados na criação de vagas pode vir escondida numa melhora das vagas já existentes. O tamanho do bolo talvez não mude muito, mas sim a qualidade da massa ? explica Ramos.

O economista lembra que, para os trabalhadores, a situação é bem diversa da encontrada em 2000. Naquele ano, a renda do trabalhador já começara a cair mas ainda estava em um patamar elevado quando comparado com o atual. Agora, já são cinco anos seguidos de queda. Mas há a expectativa de que, com a inflação sob controle, pelo menos parte das perdas na renda do trabalhador sejam recuperadas em 2004.

? O mercado de trabalho agora está em situação mais debilitada. Em 1999, com a mudança no câmbio, foram dissipadas incertezas sobre o modelo econômico ? lembra Ramos.

Com a queda da renda do trabalhador nos últimos anos e sem sinais de pressão no câmbio para os próximos meses, os analistas estão otimistas com a inflação. A previsão é que os preços ao consumidor subam 6% no ano que vem.

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