Gustavo Franco ocupou um dos principais cargos do Brasil, o de presidente do Banco Central, entre agosto de 1997 e fevereiro de 1999. É uma das referências quando se fala de economia. Atualmente ele ocupa o cargo de estrategista-chefe da Rio Bravo Investimentos, da qual também é presidente do Conselho de Administração e um dos sócios fundadores. Franco esteve em Curitiba para lançar o livro Shakespeare e a Economia, durante as comemorações dos 10 anos de fundação da UniBrasil. Em entrevista a O Estado do Paraná, ele comentou sobre o desempenho da economia brasileira, taxas de juros, eleições e criticou a retaliação do País contra os Estados Unidos. O Brasil recebeu o aval da Organização Mundial do Comércio para aplicar sanções por causa dos subsídios que o governo americano fornece aos produtores de algodão.
O Estado – Sobre o que trata o livro?
Gustavo Franco – É a história de um empresário. A indústria do teatro surge junto com o capitalismo e ele foi um grande empresário desta indústria, que teve talvez aí o seu melhor momento em toda a sua história. Nunca o teatro teve tanta centralidade como naquele momento. Shakespeare chegou a ser sócio de um teatro, no qual tinha uma participação importante. Era sócio de uma companhia de atores. O teatro tinha três mil lugares, que funcionava cinco dias por semana, em uma cidade de 250 mil habitantes e o teatro lotava todas as vezes. Ele tinha no teatro uma audiência que é hoje da televisão, extraordinário em público, bilheteria e ressonância cultural do que ele fazia. Ele termina a vida como um homem rico. Ele também comprou terras e entrou na categoria de proprietário rural. E deixa uma fortuna bastante ponderada para suas filhas. Em dinheiro de hoje, pelo meu cálculo, Shakespeare deixou 14 milhões de libras esterlinas. Um dinheirão. Porém, se olhar para os magnatas do mundo do entretenimento hoje, não é tanto assim.
OE – Como você vê hoje a situação do Brasil pós-crise, nesta retomada de crescimento? É realmente um cenário de boas perspectivas?
GF – São boas as perspectivas, mas uma nota de cautela sempre. Porque os eventos do exterior podem ser surpreendentes, como foram neste início de ano em especial as preocupações em relação a Grécia. Mas os dados do resto do mundo estão bem. A economia americana se recupera lentamente, mas se recupera. A nota de cautela vem da Grécia e da Europa, que estão um pouquinho atrás neste trem de recuperação. O Brasil vai muito bem. Até demais, no ponto de vista da atividade. A discussão já está na ideia de superaquecimento. E a política fiscal não está excessiva. Não esteve quando a crise se apresentou de sua forma mais intensa. O ciclo já acabou e o gasto continua. Está na hora de fazer a política anticíclica, que é encolher quando a economia está expandido. Como não está acontecendo, o Banco Central é forçado a subir os juros para fazer o trabalho que o ministro da Fazenda deveria estar fazendo, de reduzir o gasto público. É uma pena que se tenha que fazer isto, porque o Brasil ainda é o campeão mundial de taxas de juros.
OE – Em um ano de eleição como este, como a economia pode se comportar?
GF – Cada experiência é diferente. Este ano de eleição está muito singular. Primeiro porque não parece ano de eleição. Na economia, pelo menos. Nos mercados financeiros é como que se não houvesse. A teoria que seja 2002 de cabeça para baixo. Enquanto em 2002 todos os candidatos falavam em mudanças, agora todos os candidatos falam em não mudança. Todos, de alguma maneira, querem estar com o legado da economia dos últimos dois governos, tanto do presidente Lula quanto do presidente Fernando Henrique, no sentido de preservar as consequências bem sucedidas de políticas que começaram lá atrás. Isto (o cenário) vai agradar os inv,estidores internacionais, as agências de classificação de risco. Muito provável que ao longo deste ano o Brasil ganhe uma melhora na sua classificação de risco por causa disto, da demonstração de força de nossas instituições democráticas.
OE – Vemos com frequência artigos em jornais internacionais especializados falando sobre o desempenho do Brasil. A projeção é de que a economia brasileira se consolide entre as maiores do mundo. O senhor vê isto com otimismo?
GF – Lá atrás, quando fizemos o Plano Real, isto era um sonho. Quinze anos depois, de árduo trabalho de duas administrações em dose dupla, já dá para dizer que estamos bem próximos deste sonho. Somos uma das maiores economias do mundo, com desempenho recentemente melhor. Temos indicadores também de desempenho na área social. O grande desafio de quem vier agora é essa perspectiva de virar país desenvolvido no ângulo de classificação de risco, do custo capital. É mais um degrau qualitativo que temos que galgar e vai ser o desafio do próximo governo. O primeiro lidou com a estabilização e reformas urgentes para consolidá-la, e crises que geraram perigos à estabilização. O segundo consolidou este ganho, aprofundou políticas sociais, uniu o País. O terceiro tem o desafio de crescimento, de chegar a um nível chinês e de aperfeiçoamento institucional condizente com a economia do tamanho que a gente tem.
OE – Nestes dois primeiros meses do ano, verificamos altas na inflação e a meta estipulada pelo governo pode ser alterada. O que fazer neste sentido?
GF – Nada contra o consumo interno acelerado. Pelo contrário, é ótimo. Mas precisa haver mais investimento, e especialmente na infraestrutura, para que o teto do crescimento fique mais para cima. O Brasil cresce 5%, 6% e começa a bater no teto da pressão inflacionária. Porque dá engarrafamento, porque a estrutura não aguenta. E a forma de ajustar essas limitações é a inflação. Tem um trabalho duplo pela frente, que é de acelerar o investimento, e tem que ter investimento privado, já que o público está muito limitado na sua capacidade. O investimento privado hoje está em 17% do PIB, quase 10 vezes mais que o público, e precisa chegar nos 20%, 25% do PIB. O que pode acontecer se a taxa de juros for menor, para começar. Um ditado que eu já ouvi muito sobre o Brasil é que a gente sempre acaba escolhendo a alternativa correta não sem antes experimentar todas as outras. Como já experimentados quase todas as outras, está perto de escolher a certa.
OE – Como o senhor avalia a retaliação do Brasil na briga comercial com os Estados Unidos?
GF – Isto é de uma infelicidade… Este é um desserviço ao progresso econômico das nações. É quando a gente vê com clareza porque isto não funciona. A diplomacia produzindo uma punição para o consumidor brasileiro, que vai pagar esta conta. Retaliar os americanos? Estão retaliando o consumidor brasileiro. Alguém tem que me explicar o sentido econômico disto porque, para mim, não existe. É essencialmente um desnível que decorre de uma diplomacia às vezes descolada da realidade econômica. O sentido econômico é contrário da retaliação. É buscar desimpedimentos dos fluxos comerciais e a redução dos custos do comércio do que entra e do que sai. Isto (a retaliação) vai exatamente na direção contrária. O episódio todo é de uma infelicidade atroz. Adoraria que isto não estivesse acontecendo.