Não houve grandes surpresas na decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de elevar a taxa de juros nos EUA e indicar que fará um total de quatro ajustes neste ano, avaliou o economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, professor das universidades de Princeton e Columbia. Em sua opinião, essa trajetória só será alterada na hipótese de superaquecimento da economia americana.
Segundo ele, o Fed navega num cenário difícil, no qual o estímulo fiscal impulsiona o crescimento, enquanto o risco de uma guerra comercial o ameaça. “Enquanto não houver pressão maior, o aumento da taxa de juros nos EUA não vai causar um grande desconforto no mundo”, afirmou. A seguir, trechos da entrevista.
Qual o impacto da decisão do Fed para os emergentes e o Brasil?
A primeira coisa que se espera é um certo fortalecimento do dólar. Mas essa alta já era esperada e não está claro se veremos um grande fortalecimento da moeda com a sua confirmação. Talvez a confirmação de que haverá quatro altas neste ano tenha maior efeito, mas não é um evento inesperado. Se o dólar se fortalecer, isso pode ser um problema para países que exportam commodities, como o Brasil e os emergentes em geral. A alta do dólar é em geral acompanhada da queda do preço de commodities. Mas o risco para os emergentes em geral é uma guerra comercial, que teria impacto muito pior. Isso tudo é um pequeno barulho em torno de algo que pode ser muito maior, que é a possibilidade de Trump deflagrar uma guerra comercial.
O Fed enfrenta um cenário no qual de um lado há o estímulo fiscal, que pode aquecer a economia, e de outro, o risco de uma guerra comercial, que pode reduzir o crescimento. Quão difícil é navegar nesse cenário?
O trabalho do Fed é sempre complicado, mas está particularmente difícil por fenômenos que vão em direções opostas. Era mais fácil o trabalho nos últimos anos do governo Obama quando não havia ameaça de guerra comercial nem de aumento do déficit fiscal. O estímulo fiscal já está aí. O corte de impostos e o aumento de despesas já aconteceram. O outro ainda é uma ameaça. O Trump fala muita coisa e muitas vezes fala o contrário no dia seguinte. É difícil dizer qual o risco real de uma guerra comercial. Mas só a existência do risco já é ruim. O Jerome Powell (presidente do Fed) falou que há empresários adiando investimentos e contratações por estarem com receio dos efeitos de uma guerra comercial. Se você quer começar um projeto que depende de importações é mais prudente adiá-lo. E mesmo projetos de exportações, porque em uma guerra comercial você importa menos e exporta menos.
Por que para os emergentes é pior uma guerra comercial do que a alta dos juros nos EUA?
Para o Brasil uma guerra comercial não é o pior. O Brasil é uma economia relativamente fechada, que se beneficia pouco do comércio internacional e é menos afetado que um país mais aberto. Mas para a retomada do crescimento acontecer, vai depender de investimentos externos e, nos últimos anos, muitos têm sido guiados pelo processo de integração. Você monta um carro no México com partes que vêm da Ásia, da Europa, do Brasil. Esse processo vai sofrer com a ameaça de uma guerra comercial, já que os investimentos podem vir mais lentamente, até as pessoas entenderem o que está acontecendo.
Os maiores riscos para o Brasil são externos ou domésticos?
Como sempre, os problemas do Brasil são mais domésticos. Em primeiro plano, a questão mais urgente é a fiscal. Há muitos Estados falidos e a situação fiscal do governo federal está mais difícil a cada dia. A greve dos caminhoneiros trouxe ainda mais despesas.
Qual o patamar de juros nos EUA que tornaria a situação dos emergentes realmente difícil?
Se o estímulo fiscal exigir altas ainda maiores, pode ser um problema. Mas acho que o Fed tem ideia do impacto do estímulo fiscal e avalia que os quatro aumentos previstos para este ano são suficientes para deixar a economia em equilíbrio. Enquanto não houver pressão maior, o aumento dos juros nos EUA não causará um grande desconforto no mundo.
Há risco de superaquecimento da economia americana?
O principal problema é o estímulo fiscal dado por Trump. Apesar de toda a retórica republicana, eles aumentaram despesas e cortaram impostos e o déficit aumentou muito. O Japão teve déficits enormes por muitos anos e não houve aumento da inflação. Essas economias passaram por crises financeiras e estão em uma situação meio nova. É difícil saber. Se eles tivessem feito isso nos anos 90 seria mais fácil dizer que era um aumento muito grande do déficit e que o Fed teria de aumentar muito a taxa de juros para evitar inflação. No Japão, depois da crise de 90, isso não aconteceu. É difícil fazer uma previsão segura. As economias que passaram por crises financeiras profundas parecem se comportar de maneira diferente. Mas claro que a economia americana está em situação diferente da do Japão, que crescia pouco. Os EUA crescem pouco em relação ao período pré-crise, mas é um crescimento razoável para uma economia avançar. É um risco, um risco grande, mas não posso dizer que é algo que vai acontecer. Eu não faço previsão em economia, porque elas estão sempre erradas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.