Rodovias bloqueadas, ferrovias interditadas, lojas com as portas parcialmente fechadas, maquinários agrícolas nas ruas e nas estradas. Era este o cenário ontem em boa parte do Paraná, durante o megaprotesto dos produtores rurais denominado ?Grito do Ipiranga?. Em todo o Estado, estima-se que 70 mil agricultores participaram da mobilização.
Foram 110 trechos de rodovias estaduais parcialmente bloqueados e pelo menos cinco de rodovias federais na mesma situação. O protesto, que vinha ocorrendo há mais de uma semana no Paraná – e teve o seu ponto alto ontem, com o protesto nacional – já terminou. Mas os produtores rurais avisam que continuam mobilizados e podem voltar às ruas, dependendo das decisões adotadas pelo governo federal. Ontem, no final da tarde, depois de receber documento dos governadores (veja matéria na página 26) o presidente Lula disse que vai se manifestar sobre o assunto quando anunciar medidas para o setor agrícola, no próximo dia 25.
?Acabam os bloqueios, mas a mobilização continua. Os agricultores seguem organizados?, avisou o presidente do Sindicato Rural de Maringá, José Borghi. Os agricultores atravessam uma das piores crises, com os preços agrícolas em baixa no mercado internacional e o dólar desvalorizado. Endividados, eles pedem a estipulação de um preço mínimo para os produtos agrícolas e o alongamento das dívidas para médios e longos prazos.
Na região de Maringá, as cinco rodovias que dão acesso ao município foram parcialmente bloqueadas logo de manhã. À tarde, maquinários como tratores e caminhões tomaram o centro da cidade, em uma carreata que reuniu cerca de duas mil pessoas.
Em Campo Mourão, os produtores atearam fogo em uma colheitadeira, na praça central da cidade. ?O incêndio revelou o ato de desespero dos produtores?, definiu o presidente do Sindicato Rural de Campo Mourão, Nelson Teodoro de Oliveira. O protesto, segundo ele, reuniu cerca de cinco mil agricultores e superou as expectativas. Ao contrário de outras concentrações, em Campo Mourão os produtores optaram em não bloquear rodovias. ?É um movimento pacífico. Não quisemos prejudicar a população, os caminhoneiros?, afirmou.
Em Cascavel, tratores e colheitadeiras formaram uma fila de quase sete quilômetros na BR-277, impedindo parcialmente a passagem de veículos. De acordo com o presidente do Sindicato Rural de Cascavel, Nelson Menegatti, o protesto começou por volta das 9h, com uma carreata pela avenida Brasil, centro da cidade. Cerca de quatro mil pessoas participaram do movimento, segundo estimativa do sindicato. Por volta das 11h, os maquinários agrícolas seguiram até o Trevo das Cataratas, onde houve o enterro simbólico da agricultura.
Em Ponta Grossa, os produtores realizaram, pela manhã, uma carreata pelo centro da cidade e distribuíram cerca de quatro mil litros de leite gratuitamente à população. À tarde, eles se concentraram na BR-376, próximo ao trevo de acesso à cidade. De acordo com o presidente do Sindicato Rural de Ponta Grossa, Sérgio Sozin, cerca de 200 tratores e 500 colheitadeiras participaram da mobilização. Com o bloqueio parcial, uma longa fila de veículos se formou ao longo da rodovia, tanto no sentido Ponta Grossa como no sentido Curitiba.
Conforme informações da Polícia Rodoviária Estadual (PRE), 110 trechos ficaram parcialmente bloqueados ontem: seis na região de Curitiba, 15 na de Londrina, 20 na de Cascavel, 37 na de Maringá, 13 na de Ponta Grossa e 19 na região de Pato Branco. Já a Polícia Rodoviária Federal confirmou o bloqueio nas BRs 277 – km 453, entre Laranjeiras do Sul e Rio Bonito; km 550, no Trevo de Catanduvas; km 668, no Trevo de Medianeira; km 580, no Trevo de Cataratas e no km 704, próximo a São Miguel do Iguaçu. Na BR-376, houve paralisação próximo a Ponta Grossa. Tanto a Polícia Rodoviária Estadual como a Federal garantiram que não houve qualquer incidente durante os bloqueios.
Pedágio
A manifestação dos produtores rurais atingiu também as praças de pedágio do Paraná. Na praça de Arapongas, administrada pela concessionária Viapar, os produtores abriram as cancelas entre às 9h15 e 10h35, liberando a passagem dos veículos (exceto caminhões) sem o pagamento do pedágio. A Viapar informou ainda que houve manifestação próximo à praça de pedágio de Floresta, mas as cancelas não foram abertas. Segundo a assessoria de imprensa, o prejuízo ainda não foi calculado. Na praça de pedágio de Céu Azul, administrada pela Rodovia das Cataratas, o pedágio também ficou liberado por cerca de vinte minutos; houve intervenção da Polícia Rodoviária Federal.
Com relação à linha férrea, a América Latina Logística (ALL) interrompeu ontem a circulação de trens no Norte do Paraná, das 8h às 16h, depois de um acordo firmado com os agricultores durante o final de semana.
Maioria das prefeituras fecharam as portas ontem
Em apoio ao protesto dos agricultores, mais de 70% das prefeituras do Paraná fecharam as portas ontem. Dos 399 municípios do Estado, pelo menos 250 prefeituras não tiveram expediente ou estabeleceram ponto facultativo, de acordo com levantamento da Associação dos Municípios do Paraná (AMP).
Em muitas cidades, o comércio e a indústria também aderiram à manifestação e as escolas não funcionaram no período da tarde. Em Campo Mourão, um dos municípios de maior concentração de manifestantes, praticamente todo o comércio permaneceu fechado entre as 14h e as 16h. Em Cascavel, onde a prefeitura funcionou normalmente, o comércio fechou no período em que os manifestantes passaram pelo centro da cidade, por volta das 9h. O município de Palmas, no Sudoeste do Estado, parou completamente durante a manifestação. Prefeitura, indústrias e comércio fecharam suas portas, mostrando-se solidários à manifestação.
O presidente da AMP, Luis Sorvos, prefeito de Nova Olímpia, disse que a adesão ao movimento foi grande porque os prefeitos reconhecem a crise do setor e porque os municípios têm interesses comuns com os produtores rurais. ?A causa é nobre, sem dúvida. Mas, além disso, é importante entender que os problemas da agricultura afetam diretamente a arrecadação de tributos dos municípios. A agricultura é a base da economia de grande parte das nossas prefeituras?, justificou.
Sorvos cobrou ações concretas e urgentes para garantir que o setor agrícola possa produzir com segurança. ?Só assim a agricultura continuará gerando riquezas e dando sustentação aos municípios brasileiros?, comentou o presidente da AMP, que se declara indignado com a demora na solução destes problemas.
Na abertura da reunião da escola de governo, na manhã de ontem, em Curitiba, o governador do Paraná, Roberto Requião, também manifestou apoio ao protesto dos agricultores. ?O governo do Estado deixa claro sua solidariedade ao movimento dos agricultores do Paraná e do Brasil. No mundo inteiro, os países sérios levam a sério a segurança alimentar e subsidia a sua agricultura?, disse Requião.
O governador alertou ainda que a agricultura brasileira caminha para intensificação das monoculturas da soja, milho, trigo e madeira. ?Perdemos a diversidade e passamos a ser produtores de ração para gado na Europa e nos EUA. Isso em um país que ainda apresenta uma parcela considerável da população praticamente passando fome?. (Roger Pereira)
Indústria de calcário também protesta fechando rodovia
Protesto realizado ontem pelo Sindicato das Indústrias de Calcário do Estado do Paraná, em apoio ao movimento nacional que vem sendo desencadeado por trabalhadores da agricultura, parou o trânsito na Rodovia dos Minérios (PR-092), entre os municípios de Almirante Tamandaré e Rio Branco do Sul, na região metropolitana de Curitiba. Os manifestantes mantiveram a estrada fechada, na altura do quilômetro 21, das 9 às 11h30, provocando filas de aproximadamente quatro quilômetros nos dois sentidos da via e insatisfação nos motoristas.
Segundo a sócia-proprietária de uma indústria de produção de calcário em Almirante Tamandaré, Irene Giuriatti, a crise verificada na área da agricultura brasileira afeta diretamente o setor de calcário. Isto porque o calcário, junto com adubos, é utilizado para complementar a qualidade do solo. ?Todo e qualquer tipo de cultura necessita de calcário. Porém, quando há uma crise, os agricultores reduzem a utilização de insumos e geralmente a primeira coisa que é deixada de lado é o calcário?, explicou.
No ano passado, a indústria de calcário paranaense reduziu seu ritmo de atividade em 50%. Este ano, o setor está trabalhando com apenas 30% de sua capacidade. A informação é do presidente do Sindicato das Indústrias de Calcário, Claudio Grochowicz. ?A crise não está afetando apenas a agricultura e o nosso setor. Está interferindo na indústria de fertilizantes, de tratores, de caminhões e uma série de outras. Ao gerar desemprego, não fica apenas no campo. É uma questão de tempo para que chegue às cidades, atingindo o comércio e provocando uma reação em cadeia?, declarou.
Para que o problema seja solucionado de forma definitiva, Claudio acredita que o governo Federal precisa lançar programas no sentido de garantir preços mínimos aos produtos agrícolas, fornecer maior infra-estrutura para escoamento das safras, dar um prazo maior para que os agricultores possam pagar suas dívidas e adotar uma política cambial que não afete tanto o agronegócio. ?As autoridades políticas devem se sensibilizar com a questão. Quando a agricultura não vai bem, uma série de outros setores também acabam sendo prejudicados?.
O caminhoneiro Flávio Ferreira da Silva, que transportava areia para Itajaí (SC), teve sua viagem atrasada. Ele foi uma das primeiras pessoas a serem paradas pelos manifestantes e precisou ligar para a empresa responsável pela carga para avisar que não conseguiria chegar no horário combinado. ?Se eu tivesse passado pelo quilômetro 21 dois minutos antes, teria podido seguir viagem. Falei do protesto para os dono da carga que carrego e eles entenderam a situação. Porém, é muito chato ficar parado dentro do caminhão sem comida e sem poder utilizar banheiro?, disse. (Cintia Végas)