Brasília e Rio – O governo está debruçado no desenho de uma nova política industrial para o País. Preocupados com os efeitos do reaquecimento da economia já a partir do próximo semestre, devido à esperada queda das taxas de juros, órgãos como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o BNDES preparam um programa de incentivos ao setor produtivo para, ao mesmo tempo, garantir o abastecimento no mercado interno e manter o crescimento das exportações. No entanto, como as medidas em estudo (entre elas, renúncia fiscal e subsídios) podem implicar custos para o setor público, o pacote vai depender do aval do Ministério da Fazenda, que não é simpático a aumento de gastos.
A expectativa da classe empresarial é grande. Prevendo que se repitam na nova gestão os históricos atritos entre os ministérios do Desenvolvimento e da Fazenda no governo Fernando Henrique, eles esperam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faça uma política industrial envolvendo todas as pastas e participe ativamente das decisões, batendo o martelo quando houver divergências.
– A presença do presidente da República é crucial, porque é ele quem tem de dirimir os conflitos – diz o presidente do Conselho de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas.
Secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Carlos Gastaldoni diz que é possível combinar políticas de desenvolvimento ao binômio crescimento-estabilidade. Gastaldoni deixou a diretoria de Indústria, Comércio e Serviços do BNDES na gestão de Francisco Gros para assumir a coordenação dos fóruns de competitividade. Iniciativa implementada no governo passado, os fóruns serão mantidos, mas associados a ações de inclusão social.
– Uma política industrial ativa pode estar associada a algum custo ou renúncia fiscal para o governo. Só que esse custo vai ser facilmente compensado com ganhos na exportação, no emprego, na renda e na redução da exclusão social – diz o secretário.
Os mentores da política industrial da era Lula não descartam nenhuma modalidade de apoio ao setor produtivo. Incentivos fiscais, subsídios e linhas de crédito especiais deverão ser concedidos aos segmentos escolhidos, num desenho que os críticos comparam ao Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que norteou a economia durante a ditadura militar. Diretor da área industrial do BNDES, Maurício Borges Lemos argumenta que, diferentemente do passado, não há espaço para erros:
– Os setores que devemos apoiar são os que têm mais chances de ser vencedores. Essa é uma lógica um pouco diferente de apoiar qualquer coisa. Não podemos correr o risco de um segundo PND, com muitos investimentos problemáticos e perdedores, que prepararam as crises dos anos 80 e 90.
Assim, tanto no que diz respeito às exportações quanto à substituição de importações, os critérios básicos serão a competitividade externa já demonstrada ou potencial. Setores que estão operando próximo da capacidade máxima, como siderurgia e papel e celulose, serão prioritários, adianta Gastaldoni:
– Se esses setores estão trabalhando próximos da capacidade, não podemos, em hipótese alguma, deixar que haja desabastecimento do mercado interno e redução das exportações. Isso seria péssimo para o governo e a sociedade brasileira, porque significaria aumento de preços e inflação. Da mesma forma como reduzir as exportações é ruim para a estabilidade.
Além desses, Lemos diz que terão apoio (para exportar ou reduzir importações) as indústrias têxtil, petroquímica, química, automotiva, eletroeletrônica e de bens de capital. Para financiar a ambiciosa empreitada, o banco conta com seu orçamento de bilhões de reais e o aumento da poupança interna, a partir da reforma da Previdência. E avisa que o projeto do BNDES está sendo feito “em total e comum acordo com os ministérios do Planejamento, Desenvolvimento, Agricultura”. Só não cita a Fazenda.
– A única coisa que posso dizer é repetir o ministro (Luiz Fernando) Furlan (do Desenvolvimento). Ele diz que a Fazenda é goleiro: está lá para defender as bolas. Isso é assunto para o presidente do banco e para os ministros -diz.
No recém-divulgado documento “Política econômica e reformas estruturais”, que apresenta os planos da Fazenda para os próximos anos, o ministério reafirma seu compromisso com a estabilidade e o ajuste severo das contas públicas. O texto deixa claro que “uma nova política industrial terá como critérios a transparência dos custos e do retorno que a economia do País poderá receber; e deve ser orientada pela cobrança do desempenho e metas publicamente fixadas com prazos previamente definidos”.
– O ajuste permanente das contas públicas terá impactos positivos sobre a taxa de investimento. A recomposição da poupança pública permitirá ao governo expandir o investimento em infra-estrutura e serviços essenciais ao melhor funcionamento do setor privado – completa o ministro Antônio Palocci.
Dificuldades além-fronteiras
As dificuldades para se desenvolver uma nova política industrial no País vão além dos problemas internos. A Organização Mundial do Comércio (OMC) não permite políticas industriais com subsídios e os concorrentes do Brasil fazem tudo para colocar o BNDES (único banco realmente voltado para a produção e exportação) na berlinda. Incentivos fiscais são passíveis de ações na OMC movidas pelos parceiros internacionais.
Um exemplo gritante ocorreu na época em que o Brasil quis fazer um amplo regime automotivo, no início da década de 90. Estados Unidos, União Européia, Japão e Coréia do Sul protestaram na OMC contra o País, chegando a ameaçar com retaliações. Os brasileiros tiveram de abrir cotas tarifárias para empresas de fora do regime para evitar problemas na esfera multilateral.
Uma chance que pode ser bem aproveitada é a rodada da OMC, na qual o Brasil tentará mudar as regras para investimentos e, com isso, ficar mais à vontade para formular políticas de desenvolvimento regionais, inclusive para atrair novas empresas. Hoje os brasileiros têm como aliados a Índia e a China no campo industrial. Na área agrícola, vão buscar o apoio dos países do Grupo de Cairns, como a Austrália, a Indonésia e o Canadá.
– Temos que negociar, negociar e negociar, por um lado. Por outro, à medida que vemos que as regras que estão sendo aplicadas contra nós são flexibilizadas para outros, esse ciclo é rompido. Essa é uma discussão muito pesada, que tem que ser feita na rodada da OMC – disse o secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Mário Mugnani.
Essa preocupação foi demonstrada pelo chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, Valdemar Carneiro Leão, numa palestra para empresários do setor siderúrgico, na quarta-feira passada. Segundo eles, os recursos do BNDES acabam sendo identificados como subsídios.
O assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, concorda com a importância do BNDES para o setor produtivo. A ação do banco, diz Garcia, tem sido oportuna no desenho da nova política industrial para o País:
– Podemos discutir alternativas que nos permitam contornar constrangimentos nos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Mais ponderado, o secretário de Desenvolvimento da Produção, Carlos Gastaldoni, disse que o governo federal terá absoluta cautela ao agir, para que não seja inviabilizada a atuação do Brasil no cenário internacional.
– Temos que tomar cuidado para não ferirmos as regras internacionais – disse ele.
Para o presidente do Conselho de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas, a saída seria tropicalizar a política de desenvolvimento brasileira, de forma a evitar que as medidas adotadas pelo governo afetem as regras já estabelecidas.
– Todos os países, de uma forma ou outra, têm política regional em maior ou menor grau. O Brasil também precisa voltar a ter uma e sabemos que isso só pode ser feito dentro das regras do jogo. Mas é preciso ter vontade. O brasileiro é criativo, sabe driblar e não pode usar esse problema como desculpa – afirmou Mascarenhas