Os Tribunais de Contas dos Estados que gastam mais com pessoal do que declaravam, segundo números do Tesouro Nacional, negam que haja alguma “contabilidade criativa”. Os TCEs do Rio, Minas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Paraíba, além do Distrito Federal, dizem que os critérios de cálculo são amparados em estudos técnicos e resoluções dos colegiados, aplicados sobre números fornecidos pela própria administração estadual.
Mas, segundo especialistas, os tribunais criaram mecanismos de exceção dentro da classificação de despesas com pessoal que mascararam a real situação financeira dos governos. Um relatório técnico do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul emitido em 2001, por exemplo, determina a exclusão de gastos com terceirizados e pensionistas do cálculo de despesa com pessoal. A orientação contraria a própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que coloca os dois dispêndios como parte da conta.
O Tesouro Nacional explicita a necessidade da inclusão desses gastos no Manual de Demonstrativos Fiscais (MDF), utilizado pelos Estados. “A despesa total com pessoal compreende o somatório dos gastos do Ente da Federação com ativos, inativos e pensionistas, deduzidos alguns itens exaustivamente explicitados pela própria LRF, não cabendo interpretações que extrapolem dispositivos legais”, diz o documento.
Com a brecha patrocinada pelo TCE-RS, o governo gaúcho diz comprometer 58,11% da receita corrente líquida (RCL) com pessoal, embora técnicos federais apontem que é 70,62%.
No Distrito Federal, uma decisão do Tribunal de Contas de 2013 permitiu a exclusão de pensionistas do cálculo. O colegiado já havia decidido, em maio de 2003, que os valores pagos aos funcionários que vendem um terço de suas férias não devem ser computados como despesa com pessoal. Em 2010, essa resolução foi estendida ao abono de permanência, um incremento no salário de aposentados que seguem ativos. Com isso, o Distrito Federal diz que 49,3% de sua receita corrente líquida está comprometida com pessoal, enquanto o Tesouro aponta que são 64,19%.
Receitas.
No Rio de Janeiro, o problema está na classificação das receitas que sustentam a Previdência. A lei prevê que os gastos com inativos financiados com recursos próprios do regime fiquem de fora do cálculo. Esses “recursos próprios” são sobretudo as contribuições previdenciárias recolhidas, mas o governo fluminense tem considerado também receitas de royalties de petróleo e até de saques de depósitos judiciais, elevando o abatimento.
É por isso que o Rio diz que o déficit da Previdência estadual foi de R$ 542 milhões em 2015, enquanto o Tesouro detectou um rombo de R$ 10,8 bilhões. “Não tem sentido técnico algum. Essa composição (do boletim federal) não indica que foi recurso do Tesouro. O que o Tesouro pegou do sistema e colocou na Previdência foram R$ 500 milhões. O resto veio de royalties e depósitos judiciais”, diz o secretário estadual de Fazenda do Rio, Gustavo Barbosa.
A discrepância nos dados acaba refletindo na relação despesa com pessoal/RCL, que é de 41,77% segundo o Rio, contra 62,84% na avaliação do Tesouro. As contas de 2015 já foram aprovadas pelo TCE-RJ.
Um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), avalia que é preciso “qualificar melhor” o objeto do controle, ou seja, aprimorar a definição dos indicadores que são alvo da lei, como a despesa com pessoal. O governo tentou fazer isso no projeto de renegociação da dívida dos Estados, mas a iniciativa enfrentou forte resistência do Congresso e acabou sendo excluída do texto. Em resposta, a equipe econômica prometeu fazer uma revisão da LRF.
“Até poderia aperfeiçoar a LRF, mas antes é preciso aprovar outras duas leis. Primeiro, criar o Conselho de Gestão Fiscal, já previsto na LRF, mas cujo projeto dorme na Câmara há 16 anos. Segundo, aprovar uma nova Lei Geral de Orçamento e Contabilidade Pública”, diz Afonso. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.