Os dados são do próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES), principal instituição de fomento das empresas brasileiras. Se há um setor que tenha recebido especial atenção do banco durante o governo do PT no que se refere a ganhar o mercado internacional, esse setor é o de carnes.
Segundo levantamento feito pela área técnica do banco, a pedido do jornal “O Estado de S. Paulo”, por meio da Lei Acesso à Informação, dos quase R$ 14,5 bilhões liberados para internacionalização de empresas brasileiras, de 2005 para cá, R$ 11,7 bilhões – 80% do total – foram para os frigoríficos.
O levantamento considerou operações via Finem, uma modalidade de financiamento, e do BNDESPar, braço do banco que compra participações nas empresas. Há uma importante diferença entre as modalidades. Financiamentos precisam ser pagos, pesam nos balanços, restringem o fôlego financeiro. Compras de participações equivalem a ganhar um “sócio capitalista”, que coloca dinheiro no negócio e fica esperando a empresa crescer para poder vender sua fatia com lucro – ou prejuízo, se o investimento der errado.
Detalhe: no total, o banco contribuiu com a internacionalização de 16 empresas de setores como bebidas, petroquímica, mineração, mas apenas uma delas, a JBS, ficou com mais da metade dos recursos. Somando financiamento, aportes via debêntures e ações, a JBS recebeu 56% de tudo que o sistema BNDES investiu ao longo de uma década em favor de todas as empresas que se lançaram na internacionalização de suas operações.
O que chama a atenção é a concentração de recursos no caso do BNDESPar. A partir de 2007, ele praticamente se dedicou à internacionalização do setor de carnes. Dos R$ 12,7 bilhões que investiu na globalização de empresas nacionais, R$ 11,5 bilhões – 90% do total – ficaram com três empresas da área. O destaque foi a JBS. A empresa recebeu R$ 5,5 bilhões. Se for levado em consideração que o banco injetara R$ 2,5 bilhões na internacionalização do frigorífico Bertin, comprado pela JBS, a empresa da família Batista acabou ficando com 63% dos aportes do BNDESPar voltados à globalização das empresas brasileiras no período. A cifra soma R$ 8 bilhões.
Polêmicas
A forma como foram feitos os investimentos nos frigoríficos, em particular na JBS, sempre foi fonte de polêmicas. Soava como favorecimento. Consolidou-se a percepção de que o governo petista adotara a política de injetar recursos para a criação de conglomerados globais brasileiros, apelidados de “campeões nacionais”.
A delação do próprio empresário Joesley Batista adicionou um novo componente à discussão. Joesley contou ter pago caro pelo dinheiro do BNDES – e não se referia aos juros, que estavam entre os mais convidativos do mercado na época. A pedido de Guido Mantega, ex-presidente do banco e ex-ministro da Fazenda, contou ter desviado 4% dos recursos liberados pelo BNDES para o PT. Mas Joesley isenta o banco e seus funcionários. Garante que o “por fora” foi acertado só com Mantega. O motivo alegado por Joesley: evitar que os seus projetos fossem barrados. Segundo o empresário, em nenhum momento se burlou o processo seletivo, que teria cumprido todos os trâmites exigidos pela instituição.
O Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal discordam. Tentam estabelecer uma relação mais ampla entre as quantias destinadas à JBS e o pagamento de propinas. As autoridades contabilizam que o BNDES liberou R$ 20 bilhões ao grupo dos Batistas. Investigam em particular os R$ 8 bilhões que o BNDESPar injetou na JBS e os R$ 180 milhões que a empresa obteve por meio do Finem.
Há uma força-tarefa que investiga os empréstimos do banco. A Operação Bullish, que cumpriu quase 60 mandatos de busca e conduziu 40 funcionários da instituição para depor, aponta seis irregularidades nas transações entre BNDESPar e JBS. Duas das principais operações teriam causado prejuízo de R$ 1,2 bilhão ao banco.
O MPF alega que os gestores públicos teriam concordado em pagar mais pelos papéis da empresa dos Batistas, além de abrir mão de multas, numa transação que envolveu R$ 3,5 bilhões em debêntures, convertidas em ações em 2011. Também questiona o fato de o BNDES ter aceito que o dinheiro entregue à JBS tivesse um destino diferente do acordado, sem que novos estudos financeiros fossem feitos. Foi o caso do aporte de R$ 624 milhões que seria dirigido à aquisição da National Beef, nos Estados Unidos. Os órgãos reguladores americanos não autorizaram o negócio e o BNDESPar poderia reverter o investimento. Sucessivas revisões no contrato de concessão dos recursos fizeram com que a JBS pudesse “guardar” o dinheiro.
O banco nega irregularidades. Segundo o jornal apurou, técnicos do BNDES alegam que o TCU tem apresentado “interpretações equivocadas” das operações, porque seus técnicos não têm conhecimento de como funcionam operações no mercado de ações e de debêntures, os instrumentos utilizados pelo BNDESPar.