Rio (AE) – O Mercosul já não é mais o mesmo. Nos últimos dias 18 e 19, na sua 32.ª Reunião de Cúpula, foi atestada abertura do bloco para as vertentes social e política sem o cuidado de cimentar sua esfera essencial – a economia e o comércio. Esse fato acabou estampado nas decisões tomadas ao final do encontro e na declaração dos presidentes dos cinco países. Deixou para o futuro um claro sinal de que, apesar dos seus novos tentáculos, o Mercosul terá de enfrentar os seus demônios.
Nos últimos anos, a revisão dos objetivos do Mercosul, fixados no Tratado de Assunção, de 1991, foi proposta em todos os quatro sócios originais. O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, chegou a pleitear formalmente esse desafio em duas ocasiões. Em paralelo, seu governo ameaçava iniciar negociações de um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos que, certamente, deixaria seus vizinhos na constrangedora escolha. Ou expulsar o Uruguai do bloco ou reduzir a ambição do Mercosul de consolidar-se como união aduaneira – passo mais profundo na integração, que unifica as políticas tarifária e de negociações.
O fato de Montevidéu não ter ainda iniciado tais negociações com Washington – o país apenas assinará um tratado de promoção de investimentos e de preferências nesta semana – afastou o dilema de repensar o Mercosul, por enquanto. Mas essa tarefa espera os sócios do bloco assim que for concluído o trabalho de análise do pedido de adesão plena da Bolívia. O governo Evo Morales exige duas condições – a de não aderir à Tarifa Externa Comum (TEC), a peça vital do Mercosul como união aduaneira, e a de manter a Bolívia na Comunidade Andina de Nações (CAN), que conta com uma agenda própria de negociações comerciais.
Esse dilema tem, em princípio, prazo para ser encarado. Se não em meados de julho, terá de ser obrigatoriamente em meados de dezembro deste ano. Em ambos os casos, o processo estará nas mãos da presidência temporária dos sócios menores, o Paraguai e o Uruguai, que estão amplamente interessados na ?flexibilização? dos compromissos da união aduaneira. O governo brasileiro apadrinha a iniciativa de adesão plena, a qualquer custo, da Bolívia por entendê-la um objetivo geopolítico de forçar a estabilização do vizinho. Com Venezuela de Hugo Chávez empenhada em trazer La Paz para o Mercosul, restaria novamente à Argentina a tarefa de ponderar e travar o consenso.
O Mercosul que emergiu da 32.ª Reunião de Cúpula criou o Instituto Social e o Observatório da Democracia, em um esforço limitado de executar uma reforma social na região e de reafirmar os compromissos de seus membros – sobretudo a Venezuela – com a solidez das instituições políticas. Também efetivou a instalação em dezembro passado, do Parlamento do Mercosul, sem lhe conferir funções legislativas. Por fim, tentou-se dar mais agilidade à estrutura do Tribunal Permanente de Revisão, órgão que rejeita a arbitragem de casos emblemáticos devido à ausência de normas comuns sobre temas como investimentos e medidas de defesa comercial.
Os dilemas essenciais do bloco, que o tornam cada vez mais frágil e que geram constantes conflitos entre seus sócios, restaram sobre a mesa e serão negociados sem prazo. Salvo as questões ligadas ao grau mais modesto de desenvolvimento econômico do Paraguai e do Uruguai, que não receberam nenhum sinal de alívio no encontro do Rio, as questões vinculadas à consolidação do Mercosul como área de livre comércio e união aduaneira foram apontadas nos últimos tópicos da declaração final dos presidentes.
Prioridade no Objetivo 2006, um plano para fortalecer o Mercosul apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em junho de 2006 e que caiu no esquecimento, a eliminação da dupla cobrança da TEC nas transações de bens entre os sócios continuará em discussão em 2007. O Código Aduaneiro do Mercosul e a criação de regimes especiais comuns para a importação tampouco foram finalizados nesse mesmo prazo e seguem na agenda negociadora.