FMI cobra austeridade, mas esbanja dinheiro

Washington  – Depois de pouco mais de cinco décadas promovendo reformas econômicas nos países pobres e em desenvolvimento, o Fundo Monetário Internacional (FMI) vive desde 2002 sob um processo de reforma orçamentária interna. Só que o feitiço ainda não virou contra o feiticeiro. Uma análise dos livros contábeis da casa indica claramente que quando se trata de cuidar de seu próprio programa econômico – que é custeado pelos contribuintes dos 183 países membros dessa instituição -os diretores e economistas do Fundo não aplicam os mesmos critérios.

“O esbanjamento de recursos é um costume solidamente arraigado aqui dentro. De vez em quando surge um alerta, mas isso não chega a provocar comoção: ninguém, na verdade, quer que as coisas mudem – disse um dos raros funcionários do FMI que se dispuseram a falar a respeito, e assim mesmo sob a condição de anonimato.

Segundo ele, os técnicos que ganham a sua vida receitando planos de austeridade econômica – com contenções de despesas que muitas vezes descambam para o arrocho – são pródigos em dar benefícios a si mesmos. Além de manter os seus bons salários sempre em ascensão (uma média de 4% ao ano), eles não abrem mão de benefícios que há muito se transformaram em mordomias.

Um exemplo é o custeio da educação da família. O FMI paga os estudos dos filhos de seus funcionários até que eles completem 24 anos de idade. De acordo com velhas normas da casa, eles podem freqüentar universidades privadas em qualquer parte do mundo – menos nos Estados Unidos. Um dos motivos é o fato de que funcionários do FMI são isentos do imposto de renda neste país. As passagens aéreas daqueles estudantes, e a sua estada no exterior, também são bancadas pelo Fundo.

A cada dois anos, a família inteira tem o direito de passar férias em seu país de origem por conta do FMI. O quadro atual tem cerca de 2.700 funcionários, e a grande maioria vem de 134 nações. Cada um dos familiares deve viajar em classe executiva e ainda receber uma ajuda de custo.

Tal como os executivos-chefes das grandes corporações, Horst Köhler, o diretor-gerente do Fundo, desfruta de regalias próprias. O cálculo dos salários dos funcionários é feito com base na remuneração de grandes companhias dos EUA, Alemanha e França. Köhler, no entanto, ganha adicionais.

Além das mordomias já mencionadas, ele dispõe de US$ 58.580 anuais a título de “remuneração suplementar para cobrir despesas”. Köhler está solicitando uma verba extra de US$ 400 mil este ano para “estabelecer, em base experimental”, um grupo de conselheiros que o orientem, formado por ex-funcionários do FMI. O objetivo seria o de “fortalecer a transferência de memória institucional” à atual diretoria.

Uma simples revisão dos documentos que contêm as cifras do orçamento do FMI mostra que conter gastos é uma política a ser receitada apenas a terceiros. O ano fiscal de 2004, iniciado no dia 1.º de maio passado, prevê um total de gastos de US$ 837,5 milhões. Isso significa que as despesas subiram nada menos do que US$ 100,6 milhões nos últimos dois anos. E elas poderão ser maiores: “Não se pode excluir a possibilidade de demandas adicionais”, diz um trecho do orçamento. Aliás, só o planejamento e a execução do orçamento custarão US$ 1,9 milhão.

Mais da metade (US$ 539,1 milhões) do total dos gastos atuais é composta por salários e outras despesas com pessoal. Para viagens de trabalho, sempre em classe executiva, estão reservados US$ 100,6 milhões. Segundo os cálculos, a reunião anual do FMI – que acontecerá em setembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos – custará US$ 3,2 milhões apenas em passagens aéreas.

Em nome da tal reforma orçamentária algumas despesas foram cortadas. O FMI informa ter economizado US$ 700 mil ao eliminar o subsídio que dava aos seus restaurantes internos. Isso significou que os funcionários que pagavam uma média de US$ 3,50 por um almoço completo estão tendo de desembolsar agora cerca de US$ 6 para comer. Poucos têm se queixado. Afinal, apenas um sanduíche – numa das lanchonetes nas imediações – custa US$ 5,60.

Os US$ 700 mil economizados com refeições já têm destino certo: ajudarão a custear a expansão da academia de ginástica dos funcionários, programada para 2006 e que deverá custar US$ 770 mil.

Férias com mordomias e regalias

Além de não ter de pagar imposto de renda, e de poder matricular os seus filhos em universidades no exterior por conta do FMI, os funcionários do organismo e suas famílias contam, ainda, com uma regalia fora do comum: a cada dois anos eles passam férias em seus países com tudo pago pelo Fundo.

Na verdade, a generosidade vai além da imaginação. Afinal, todas as pessoas da família viajam em classe executiva. Ou melhor: têm direito a isso. Mas a maioria dos funcionários acaba indo mesmo na classe econômica e embolsando a diferença. Isso porque em vez de entregar as passagens aos funcionários, o FMI lhes dá o dinheiro equivalente.

Eles escolhem a companhia em que querem viajar e compram os bilhetes. Assim, um funcionário da Índia que vá passar férias em Nova Délhi, por exemplo, receberia hoje US$ 6.863 para adquirir a sua passagem na American Airlines. Indo com mulher e dois filhos – a família padrão -ele receberia US$ 27.453,20 para comprar os bilhetes.

Um funcionário argentino, por exemplo, receberia hoje US$ 6.120,90 para uma viagem de ida e volta Washington-Buenos Aires. O custo para a sua família sairia por US$ 24.483,60. Pelo mesmo cálculo, um japonês ganharia do FMI US$ 29.760 para levar mulher e dois filhos a Tóquio.

Obviamente a grande maioria apanha o dinheiro e compra passagens da classe mais barata. E, ao fazer isso com muita antecedência, ainda consegue descontos. Para Buenos Aires, por exemplo, há passagens de US$ 500. A diferença vai para o seu bolso. Como se isso fosse pouco, o FMI ainda concede uma ajuda de custo de US$ 1.000 por cada pessoa da família.

O argumento oficial é o de que se não oferecesse benefícios como esses o FMI teria dificuldades em contratar profissionais.

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