O Mark Zuckerberg que criou o Facebook em fevereiro de 2004 é muito diferente do bilionário que comanda um império hoje. A diferença vai além do bolso: o universitário que largou Harvard é hoje pai de família, filantropo e tenta mostrar que está preocupado com o futuro do mundo. Isso ficou claro recentemente, quando ele anunciou a nova missão do Facebook. Agora, a empresa quer “dar poder para as pessoas construírem comunidades”. E, com a mudança, a ferramenta de grupos, que estava meio de lado, ganhou protagonismo na estratégia da maior rede social do mundo, com mais de 2 bilhões de usuários.

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“O Facebook foi construído em torno dos perfis dos usuários, das páginas e do que aparecia no feed de notícias de cada pessoa”, diz James Grimmelmann, professor da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. “Mas a rede social é como um parque de diversões: precisa sempre de atrações novas.”

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Apesar de a rede social ter lançado os grupos em 2010, números da própria empresa mostram que apenas 100 milhões de pessoas participam do que Zuckerberg chama de “comunidades significativas” – aquelas que são a principal atividade do usuário na rede social e são capazes de transformar seu dia a dia, como comunidades de igrejas, associações de bairro, mas também grupos que discutem maternidade, alimentação saudável, oportunidades de emprego e empreendedorismo.

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Com a mudança de foco, o Facebook pretende atrair pelo menos 1 bilhão de pessoas para esse tipo de grupo. Mais do que a preocupação com o mundo, a iniciativa mostra atenção para o futuro da própria companhia.

Saída

Com 3,4 bilhões de pessoas conectadas no planeta, o Facebook vai ter dificuldades em breve para ampliar seu total de usuários – e ampliar receita com publicidade. A rede social até investe em programas para conectar mais pessoas à internet, mas o resultados só vai aparecer no longo prazo. Apostar nos grupos é uma alternativa mais barata: em vez de crescer sua base, a rede tenta manter as pessoas mais tempo no site.

Os grupos de humor são exemplo de como a estratégia pode trazer resultados rápidos. Em abril, por exemplo, a página Site dos Menes ganhou um grupo dedicado a criar piadas e imagens engraçadas. Nele, os 190 mil membros publicam uma média de 1,1 mil postagens por dia. As melhores são selecionadas para a página principal.

Lá, elas recebem entre 10 mil e 40 mil curtidas e milhares de compartilhamentos. “Na página, se o cara não gosta da piada, ele ignora. No grupo, ele escreve 50 comentários dizendo que a piada é ruim”, diz Felippe Agner, administrador do site.

Intimidade

Outro grande grupo brasileiro é o LDRV, que mistura comportamento, humor e discussões LGBT. “É uma válvula de escape para descontrair”, diz o criador do grupo, o estudante Kaerre Neto, de 22 anos. Com mais de 600 mil membros, o grupo somou mais de 90 milhões de interações (entre curtidas, comentários e publicações) no último mês. Um de seus destaques são publicações sobre a vida íntima dos membros do grupo.

Essa exposição da intimidade nos grupos, segundo Amy Bruckman, professora do Georgia Institute of Technology (Georgia Tech), também pode ajudar os algoritmos da rede social a compreender melhor a personalidade dos usuários. “É uma troca: eles sabem mais de você, mas, ao mesmo tempo, você ganha interações mais relevantes”, diz Amy.

Para José Calazans, analista da consultoria Nielsen, a interação nas comunidades faz o Facebook recuperar uma característica de outras redes sociais, como o Orkut, que havia se perdido: a formação de novas amizades pela internet. “Normalmente, quem você aceita como amigo no Facebook é uma pessoa que você já conhece na vida real. Com os grupos, isso pode mudar”, avalia Calazans.

Questionado pelo Estado sobre o assunto, o Facebook diz que não usa dados pessoais específicos para exibir anúncios aos usuários, mas que aproveita o que é discutido nas comunidades para tais ações. “Entregar anúncios baseados nos interesses das pessoas cria experiências relevantes para a comunidade”, disse o diretor responsável pela ferramenta de grupos do Facebook, Alex Deve. O Facebook ainda não exibe publicidade nos grupos da rede social.

Futuro

A crise recente do Facebook com notícias falsas – em que a rede é acusada de ter contribuído para a eleição de Donald Trump – também pode ser parcialmente solucionada pelo foco nos grupos. “Remover ou filtrar conteúdo ‘ruim’ custa dinheiro, seja por software ou com moderadores humanos”, diz Amy. Com os grupos, parte dessa responsabilidade é transferida aos moderadores.

Os grupos também devem ser a base para a adoção de novas tecnologias no Facebook, como a realidade virtual. A empresa tem testado uma nova ferramenta, chamada Live from Spaces, que permite às pessoas interagirem em uma sala virtual usando óculos especiais. “Pode ser uma ferramenta poderosa para a construção de comunidades”, disse Zuckerberg na divulgação do último balanço da rede.

Há quem acredite, porém, que transferir para o Facebook o espaço de discussões públicas relevantes seja arriscado. “No espaço público, há leis que garantem a liberdade de expressão aos cidadãos”, diz Amy. “Na plataforma de uma única empresa, não. E as implicações disso podem ser perversas.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.