Mesmo prevendo um longo período de guerra contra o terrorismo, os Estados Unidos decidiram rever sua política para a América Latina e voltar a priorizar as relações com os países do hemisfério. Esse ajuste na política externa americana foi confirmado hoje (04) pela embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Donna Hrinak. Em entrevista à imprensa brasileira e estrangeira, a embaixadora esforçou-se para legitimar o possível ataque militar de seu país ao Iraque. Argumentou que essa ação não teria caráter unilateral e que os Estados Unidos não contam com um ?plano nefasto para controlar tudo?.
?O que eu vejo é muito mais interesse dos Estados Unidos neste hemisfério e no Brasil. Aconteceram os atentados (terroristas) de 11 de setembro, e é certo que a América Latina ficou um pouco fora do cenário central. Mas acho que isso está virando?, afirmou a embaixadora americana. ?Primeiro, porque vai haver uma guerra prolongada contra o terrorismo, e não podemos deixar de lado as outras prioridades. Temos que seguir por vários caminhos ao mesmo tempo?, completou ela.
A retomada da atenção dos Estados Unidos para a América Latina está relacionada ao fato de que boa parte do hemisfério submergiu em crises políticas e econômicas desde o segundo semestre do ano passado, quando o governo americano direcionou sua política externa ao combate ao terrorismo. Ao longo desse período, o presidente Fernando Henrique Cardoso disparou severas críticas à linha adotada por Washington depois dos atentatos terroristas de setembro. Com repercussão direta em setores da economia americana, as instabilidades na região também ameaçaram a continuidade do processo de negociação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Hoje, a embaixadora deixou claro que a Alca será o principal foco de ação de seu país no hemisfério. Mas acrescentou um novo objetivo a ser conquistado com esse processo – o de trazer maior ?segurança? para a região, a partir do comércio mais intenso e do fortalecimento das economias locais. Hrinak deixou claro que, agora, a intenção dos Estados Unidos será resgatar os 23 compromissos assinados durante a Reunião de Cúpula das Américas em Miami, em 1994. Nesse encontro, os 34 países do hemisfério exceto Cuba- concordaram com o inicio das negociações da Alca.
Hrinak arrematou seu discurso pró-Alca com um mea culpa da atuação dos Estados Unidos na América Latina entre os anos 60 e o início dos 80, quando colaboraram com golpes de Estado e a instituição de regimes militares. Mas negou veementemente que seu país tivesse apoiado, em abril deste ano, o golpe que destituiu por alguns dias o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. ?Fizemos erros no passado. Mas seguir fazendo os mesmos erros é correto??, declarou a diplomata, depois de respirar fundo.
Se Washington pretende rever sua ação na América Latina, o mesmo não deve se repetir nas ações de combate ao terrorismo e aos governos que supostamente protegem essa atividade. Conforme Hrinak declarou, os Estados Unidos estão ?comprometidos em mudar o regime no Iraque?. Ela completou que está em curso um debate dentro do próprio governo americano e outro, de Washington com os países aliados, em torno da melhor fórmula de derrubar o presidente iraquiano, Saddan Hussein. Embora tenha repetido várias vezes a intenção dos Estados Unidos de manter esse debate, Hrinak admitiu que, ?no final das contas, será o presidente (George W. Bush) quem terá de tomar a decisão?.
Ao longo de uma entrevista de mais de uma hora, Hrinak foi confrontada com questões sobre a oposição da comunidade internacional a um possível ataque ao Iraque e sobre a tendência unilateral dos Estados Unidos de intervir para a derrubada de regimes que não mais os interessam. Sem responder especificamente essas questões, a embaixadora afirmou que as coisas nem sempre são ?preto no branco? e que é dever de um país responder aos governos que oferecem apoio e proteção a grupos terroristas que podem ameaçar seus cidadãos. ?Senão, para que servem os governos??
Também argumentou que o terrorismo possui ?rostos diferentes dos de Osama bin Laden?, o organizador dos ataques aos Estados Unidos em setembro do ano passado. Dessa forma, tentou convencer que o uso de armas químicas contra populações curdas no Iraque que, segundo ela, vem ocorrendo há anos – é uma atitude terrorista do governo local. Hrinak acrescentou que não considera as críticas contra os Estados Unidos como uma manifestação de ?antiamericanismo. Temos de discutir essas coisas.?
?Mas também acho que há certa tendência de pensar que os Estados Unidos têm um plano nefasto para controlar tudo e acho que isso é errado?, afirmou.