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O governo dos Estados Unidos demonstrou contrariedade ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo fato de não ter vetado, na lei que autoriza o plantio de soja transgênica durante a safra 2004/2005, o artigo que dificulta a cobrança de royalties pela Monsanto em razão do uso de sua tecnologia. A lei foi sancionada na última quarta-feira, por Lula. "Em relação a essa legislação específica, os Norte-Americanos estão preocupados com as implicações, não apenas nos pagamentos para os produtores de sementes como também em relação aos direitos de propriedade intelectual em geral", informou a embaixada norte-americana em Brasília.

O embaixador dos EUA no Brasil, John Danilovich, chegou a escrever para ministros próximos a Lula, pedindo que o presidente vetasse o texto que, na prática, inviabiliza a possibilidade de a Monsanto cobrar direitos de propriedade intelectual de agricultores que plantam sementes pirateadas. "Parte dos trabalhos regulares da embaixada é advogar em favor dos interesses comerciais dos EUA, como qualquer embaixada faz", afirma a embaixada.

Dentro do próprio governo, Lula sofreu pressões para usar o poder de veto. Os ministérios das Relações Exteriores, do Desenvolvimento e da Agricultura concordavam com as ponderações de Danilovich. Prevaleceu, no final, a argumentação do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, a favor de manter intacto o texto aprovado no Congresso. Rebelo disse a Lula que havia um acordo com os parlamentares de aprovar a lei sem vetos.

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O presidente também preferiu não mexer no tema, pois sabe que o assunto é motivo de conflitos dentro do governo. Lula optou pelo caminho de deixar a responsabilidade sobre o que foi aprovado nas mãos da Câmara e do Senado.

Divergência

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O sétimo artigo – "na hipótese de cobrança pela licença de exploração de patente sobre a tecnologia aplicada à soja de que trata o artigo 1.º desta lei, a empresa detentora da patente deverá apresentar comprovação da venda das sementes por meio de notas fiscais" – é o motivo das divergências entre o governo brasileiro e o norte-americano.

O artigo, incluído na lei pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS), deixa a Monsanto numa situação delicada. Apesar de o plantio de soja transgênica ser liberado, vender sementes geneticamente modificadas no Brasil continua ilegal. A Monsanto, portanto, se tiver alguma nota fiscal, estará na verdade quebrando a lei. Os agricultores plantam sementes contrabandeadas da Argentina ou pirateadas nas suas fazendas. A tecnologia pertence à Monsanto.

No ano passado, uma medida provisória, também convertida em lei, previa o pagamento dos royalties. A Monsanto, na ocasião, negociou com os agricultores um valor de R$ 0,60 por saca de soja, o equivalente a 1,2% do preço do produto. Em 2005, a multinacional pretendia cobrar R$ 1,20.

Entre os próprios agricultores gaúchos, responsáveis por plantar mais de 90% da soja transgênica da safra passada, há divisões sobre o texto da lei. "É quase uma heresia", afirmou o presidente da Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul), Carlos Sperotto.

Na sua opinião, a intenção de evitar o pagamento de royalties poderá acabar prejudicando os produtores. "Estamos preocupados porque estamos vulneráveis. Não estamos com proteção para não pagar", diz ele. Segundo Sperotto, a Monsanto poderá cobrar os royalties dos importadores da soja brasileira, o que fará com que o preço do produto nacional caia no mercado internacional.

Pimenta diz que a intenção do artigo não é inviabilizar o pagamento de royalties, mas obrigar a Monsanto a ser mais flexível na cobrança dos seus direitos de propriedade intelectual. O deputado diz ser um absurdo a empresa querer dobrar o valor dos royalties num momento em que o preço internacional da soja caiu.

Para o governo brasileiro, a regra poderá implicar retaliações dos EUA. O porta-voz da embaixada deixou claro que a decisão é interpretada como uma medida contrária aos direitos de propriedade intelectual em geral.

Em setembro do ano passado, o embaixador dos EUA, Peter Allgeier, deixou claro que seu governo poderia punir o Brasil devido à falta de firmeza no combate à pirataria.