O rebaixamento da nota de risco soberano dos Estados Unidos de AAA para AA+ pela Standard & Poor’s deflagrou não somente tremores nos mercados financeiros internacionais, mas também trouxe à tona o debate sobre a necessidade de novas medidas para reformar a atividade das agências de classificação de risco (rating). Na origem da polêmica, um tema que tem suscitado fortes reações de políticos, economistas e acadêmicos desde a crise financeira de 2008: a credibilidade dessas agências.

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A deputada democrata da Califórnia Maxine Waters solicitou, na quarta-feira, dia 10, à Comissão de Serviços Financeiros da Câmara de Deputados dos Estados Unidos uma audiência para investigar as implicações do rebaixamento da S&P, além de ter requisitado à Securities and Exchange Comission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana) para esclarecer se houve vazamento do anúncio do corte da nota de risco soberana americana.

O preço das ações das três maiores agências de classificação de risco – S&P, Moody’s Investors Services e Fitch Ratings – segue em franca queda desde o pico atingido no primeiro semestre de 2007, antes do estouro da bolha de crédito, quando houve a proliferação de instrumentos de investimentos considerados tóxicos por ter como lastro hipotecas com fraquíssimo perfil de crédito, a exemplo das chamadas Obrigações de Dívida Colateralizadas (CDO).

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As ações da Moody’s eram negociadas na manhã de hoje a US$ 31,95, mas em fevereiro de 2007, quando havia forte demanda para avaliar o risco de instrumentos como CDO, essas ações eram negociadas a US$ 73,95. Os papéis da McGraw Hill, dona da agência S&P, caíram de US$ 71,25 em junho de 2007 para US$ 38,44. E as ações da holding francesa Fimalac SA, que controla a agência Fitch Ratings, estavam sendo negociadas hoje a 26,18 euros na bolsa de Paris, ante 75,10 euros em fevereiro de 2007.

Credibilidade

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“A questão da credibilidade tem tido um papel relevante para a queda no preço das ações dessas agências, pois se elas perdem credibilidade, isso terá implicações negativas para o desempenho dos negócios dessas empresas,” disse à Agência Estado Peter Appert, analista que cobre as ações da Moody’s e da McGraw Hill para a corretora Piper Jaffray & Co. em São Francisco, Califórnia.

Segundo Appert, antes do estouro da bolha de crédito, as ações das agências de ratings eram muito procuradas pelos investidores em bolsa porque, com o aumento pela demanda dos produtos de crédito e, consequentemente, da avaliação de risco desses produtos, “essas agências eram vistas como cobradores de pedágio na estrada para o mercado de capitais superaquecido daquele período.”

Mas as agências de rating levaram boa parte da culpa e da publicidade negativa pela crise financeira, uma vez que premiaram muitas CDOs e outros produtos derivativos complexos com notas máximas de crédito, ou AAA, quando esses instrumentos estavam longe de merecer tal classificação, além de avaliarem bancos de investimentos como Lehman Brothers como tendo ótima qualidade de crédito até poucos dias antes do anúncio de falência desses bancos.

É esse calcanhar de Aquiles que o presidente Barack Obama tentou explorar, ao desacreditar o rebaixamento da nota de risco americana mencionando o erro de US$ 2 trilhões no modelo econômico utilizado pela S&P para basear a sua decisão.

Por outro lado, Obama sabe que a decisão da S&P acaba dando maior poder político para todas as três agências, pois se uma das outras duas agências – Moody’s ou Fitch – rebaixarem os Estados Unidos, o governo americano terá de pagar juros bem mais elevados e muitos investidores serão obrigados, por força estatutária, a abandonarem os títulos públicos americanos.

Retaliação

E o maior poder político a que as agências de rating almejam neste momento tem um alvo claro: deixar o governo Obama refém e impedir a adoção de medidas mais severas e restritivas de regulação das atividades dessas empresas de classificação de risco, no âmbito da lei Dodd-Frank, aprovada pelo Congresso em 2010, que busca promover uma reforma regulatória do sistema financeiro para evitar a repetição dos abusos que levaram à crise de 2008.

“O rebaixamento da nota de risco dos Estados Unidos levantará a questão de se existe ou não uma tentativa de retaliação ou vingança pela administração Obama se houver agora um esforço por parte das instituições reguladoras do governo americano em implementar novas medidas regulatórias da atividade das agências de rating,” disse Joseph Mason, professor de Finanças da Louisiana State University e especialista do mercado de crédito.

Vingança ou não, o movimento por reformas das atividades de classificação de risco de crédito é real e é hoje o maior risco para os investidores que possuam as ações das agências de rating nas suas carteiras, na opinião de Appert, analista da Piper Jaffray. “O escrutínio regulatório sobre essas agências vai ser acirrado,” disse Appert. “O temor dos investidores é que o governo Obama passe a praticar o ‘bullying’ dessas agências de rating via medidas regulatórias.”

A crise de credibilidade que as três grandes agências de rating enfrentam decorre não apenas das críticas em relação ao rebaixamento dos Estados Unidos, mas também pela demora das agências de soar o alerta bem mais cedo quanto à deterioração na capacidade de pagamento da dívida pública pela Grécia, Portugal e Irlanda.

“Comprar as ações das agências de rating torna-se cada vez menos atraente à medida que a credibilidade delas é atacada,” disse Jeffrey Sica, presidente da Sica Wealth Management, administradora de recursos com US$ 1 bilhão sob gestão em Nova Jersey, Estados Unidos. “A verdade é que as agências de rating nunca mais terão o mesmo poder que elas tinham antes da crise de 2008.”