O secretário-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, deixou claro hoje que o Brasil seguirá com dificuldades para transformar o etanol em commodity e ainda para comercializar o combustível com outros países livre de tarifas, barreiras e como um produto sustentável ambientalmente. “Existem duas posições: a primeira, defendida pelo Brasil, é que o etanol é ambientalmente correto, o que permitiria uma redução das tarifas nas negociações dentro do OMC”, disse. “Mas isso pode não ser necessariamente verdade para todo o etanol do mundo e a questão é saber como avaliar o combustível, com rastreabilidade e sustentabilidade”, disse Lamy após visitar a Usina São Martinho, em Pradópolis (SP), maior processadora de cana-de-açúcar do mundo.
Acompanhado do presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), Marcos Jank, o secretário-geral da OMC, que salientou ser neutro em qualquer negociação, reafirmou que a posição do Brasil em relação ao etanol ser um bem ambiental, portanto passivo de redução de tarifas, “não é compartilhada por outros países”.
Lamy deu sinais de que a questão é mais econômica e menos ambiental, e disse que o País terá de ceder caso queira reduzir tarifas e barreiras comerciais sobre o etanol e o açúcar, principalmente em relação aos Estados Unidos e países da União Europeia (UE). “Esses países não dizem não (em relação à redução tarifária e ao fim de barreiras), mas dizem que dependem do que o Brasil dará em troca nas negociações”, afirmou o secretário-geral da OMC. No entanto, Lamy admitiu que a produção de etanol e açúcar, no caso específico da Usina São Martinho, “é um bom exemplo do que os países emergentes podem fazer para agregar valor a uma matéria-prima”, como a cana-de-açúcar. “Isso me ajuda a entender porque a Unica quer reduzir as tarifas e os subsídios”, explicou o secretário-geral da OMC.
Jank, da Unica, avaliou que a visita de Lamy foi positiva para informá-lo sobre a forma de produção sustentável de etanol e açúcar, mas admitiu as dificuldades nas negociações internacionais. Sobre o etanol, o executivo criticou a posição dos Estados Unidos, que estudam manter a tarifa de US$ 0,54 por galão sobre combustível brasileiro, prevista para acabar este ano, enquanto as tarifas de importação do País, de 20%, foram zeradas recentemente. “Vamos esperar o que vai acontecer este ano, mas não descartamos um contencioso na OMC, que é um caminho longo e desgastante”, afirmou Jank.
O presidente da Unica criticou ainda o fato de a União Europeia ter descumprido a decisão da OMC e ter exportado, em 2010, 500 mil toneladas acima do limite de açúcar subsidiado, de 1,27 milhão de toneladas. “Foi um rompimento unilateral e achamos que ou a Europa volta atrás, ou o caminho seria um contencioso de implementação, o que duraria dois ou três anos”, afirmou Jank.
Lamy, por sua vez, pregou consenso entre Brasil e Europa nessa questão. Durante a visita pela região de Ribeirão Preto, a mais tradicional produtora de cana do País, o secretário-geral da OMC conheceu o que há de mais moderno no processo produtivo de açúcar e álcool. Foi poupado, portanto, de ver a colheita manual da cultura, duramente criticada pelos contrários à sustentabilidade do etanol, e conheceu apenas a colheita mecanizada.
Na visita, o secretário-geral da OMC foi informado que não há desmatamento para o avanço da cana, cultura que ocupa a área de outras lavouras, segundo Jank, da Unica. Lamy ainda plantou, em uma área da São Martinho, um pé de pau-brasil e, após atender os jornalistas, almoçaria na vizinha fazenda Santa Isabel, em Guariba (SP), de propriedade do ex-ministro da Agricultura e atual presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Rodrigues. No cardápio, churrasco e, com moderação, a tradicional cachaça, a qual, assim como etanol e o açúcar, é produzida de cana.