“Escondido” das contas públicas por decisão do governo federal, o desempenho fiscal das empresas estatais piorou depois da crise financeira global e, se fosse incluído no cálculo oficial do chamado superávit primário do governo central, provocaria uma redução próxima de 40% no índice da economia feita para pagar juros da dívida.
Essa conta do superávit primário, que abrange Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central, é uma medida de solvência do País, usada, inclusive, pelas agências de classificação de risco para aferir o grau de qualidade das contas públicas nacionais.
Dados inéditos dos resultados fiscais das estatais, obtidos pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, revelam que a trajetória de superávit das empresas federais virou um déficit robusto no período pós-crise global.
O rombo fiscal de grande magnitude está dissimulado nas contas do Tesouro. Em 2009, em uma reação à crise global, o governo retirou os grupos Petrobras e Eletrobras do cálculo do superávit primário e parou de divulgar os números das estatais. À época, alegou que ambas sairiam dos controles fiscais para poder contratar novos financiamentos, multiplicar investimentos públicos e estimular os aportes privados. De lá para cá, os investimentos das estatais tiveram leve melhora: saíram de 2,13% para 2,28% do Produto Interno Bruto (PIB).
Desde então, esses dados viraram segredo de Estado. Agora, é possível conhecê-los. Em 2013, por exemplo, segundo o critério chamado necessidade de financiamento líquido (Nefil), as estatais registraram déficit de 0,61% do PIB, mostram dados preliminares. Se estivessem incluídas no cálculo, reduziriam o primário oficial de 1,6% para menos de 1% do PIB. O Nefil é um indicador usado pelo governo para mostrar se a geração de caixa da companhia é suficiente para cobrir seus gastos e pagar dívidas.
À metade
Em 2012, o fiscal das estatais foi de 0,9% negativo – e o primário oficial foi de 2%. Assim, o superávit teria caído quase à metade. No pior ano da série, em 2009, o resultado recuaria do 1,31% oficial para 0,72% do PIB com a inclusão das estatais.
As estatísticas oficiais, embutidas no portal de serviços do Ministério do Planejamento, revelam dois momentos distintos. No pré-crise, de 2002 a 2006, mostram que as estatais sustentaram a geração de resultados fiscais positivos, sobretudo com a melhora da receita operacional. Na média do período, a economia para pagar juros da dívida somou 0,51% do PIB, o que equivalia a um quinto do resultado, à época significativo, alcançado pelo governo central.
Mas a figura muda bastante após a crise. Entre 2007 e 2013, a tendência do resultado primário das estatais passa a ser de déficit crescente, registrado em seis dos sete anos. As estatais passaram a corroer quase metade do desempenho fiscal potencial do governo central. Na média do período, há uma inversão da tendência. O resultado negativo atingiu 0,4% do PIB. A exceção, neste intervalo, foi 2010, quando houve superávit de 0,11% do PIB nas estatais. A explicação é a megacapitalização de R$ 120 bilhões da Petrobras.
Custos
A evolução do indicador das estatais mostra a transformação de superávit em déficit primário, mas sem a premissa inicial de elevação expressiva dos investimentos nos anos de piores resultados. O desempenho fiscal negativo das estatais, revelam os dados, deriva de um aumento de custos que não foi acompanhado pelo aumento das receitas operacionais. Houve um processo de endividamento, elevação de gastos com pessoal e redução de pagamento de tributos pelas estatais.
“No longo prazo, é inegável que as estatais fizeram um importante e contínuo esforço para elevar sua taxa de investimento”, avalia o economista do Ibre/FGV José Roberto Afonso, que agregou e analisou os dados em conjunto com o pesquisador Felipe de Azevedo. “Mas os demais fluxos é que parecem estar mais explicando as mudanças de tendências dos resultados do setor.”
As estatais elevaram em 0,6 ponto porcentual sua taxa de investimentos nos últimos cinco anos – a Petrobras respondeu por 88% desse desempenho. Afonso diz que, conceitualmente, não se poderia falar em adoção de uma política anticíclica do governo, já que o “viés de alta” do investimento vinha sendo observado antes mesmo de estourar a crise global de 2008. No setor privado, a taxa recuou 1,8 ponto.
Controle
Na avaliação dos dados do Departamento de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Dest), é possível ver que o desempenho negativo nas empresas federais traduz, em parte, os efeitos do controle de preços e tarifas. “A crise externa, e mesmo a recessão interna, já tinha sido superada quando foram registrados os piores déficits”, diz Afonso. Nos três últimos anos, foram 0,9% do PIB em 2011 e 2012 e 0,6% no ano passado. Neste intervalo, não houve forte elevação de investimentos para justificar esse resultado – na verdade, aumentou 0,1 ponto porcentual do PIB.
Dessa forma, ficou comprometida a estratégia que justificou excluir Petrobras e Eletrobras do controle das metas fiscais. As despesas cresceram de forma acentuada e as receitas operacionais não voltaram aos níveis pré-crise. “Desde 2009, ficaram abaixo dos 10% do PIB”, diz Afonso.
O desempenho fiscal das estatais reforça, segundo o economista, a necessidade de abrir os cálculos de subsídios federais para cobrir os custos das empresas, especialmente em combustíveis e energia. Ele cita o caso de estoques e preços agrícolas, onde são visíveis os subsídios, no orçamento, para cobrir juros e diferença de preços. “Isso aumenta o gasto e impacta o resultado primário. Mas ficaria claro para toda a sociedade qual é realmente o custo disso.”