Um dos articuladores da reforma da Previdência, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirma que o governo vai partir para a discussão no Congresso com o espírito de “manter a espinha dorsal” da proposta. Ele garante que o texto é duro com os privilegiados e alerta para a população não cair em “fake news” (notícias falsas) disparadas por corporações que querem manter benesses e salários altos. “Ter pessoas dentro do poder público que, por alguma questão judicial, estão ganhando acima de R$ 39 mil é fazer escárnio com quem ganha o salário mínimo”, diz, sobre as críticas de servidores à contribuição previdenciária de até 22%. A seguir os principais trechos da entrevista:
As resistências à reforma da Previdência já vieram à tona?
Desde o início, procuramos observar o que tinha ocorrido com o projeto anterior. Há uma curva de aprendizado que precisava ser incorporada à estratégia de enfrentamento junto à sociedade e do debate no Congresso. A deterioração das contas públicas se avolumou nos Estados e municípios, que estão tendo dificuldade de prestar serviço de qualidade e de pagar os salários e aposentadorias. A população entende que esse modelo é injusto e insustentável. Poucos ganham muito e muitos ganham pouco. A reestruturação do sistema implica que as pessoas vão contribuir e trabalhar um pouco mais para que o sistema volte a se equilibrar.
Como o governo vai enfrentar a batalha de quem fala mais alto?
Já começamos a conversar com as bancadas, os governadores. Na próxima semana, temos agenda com quatro bancadas de partidos, com a Frente Parlamentar Agropecuária e as centrais sindicais. A nossa intenção é demonstrar que todos precisam contribuir e nesse momento vamos apelar para o espírito público do Congresso e das entidades de classe.
A rejeição maior está sendo à mudança no benefício assistencial?
Tenho a convicção que a sociedade tem um pacto moral de ajudar os mais necessitados. Ao mesmo tempo, temos uma responsabilidade de manter o sistema saudável. Estamos antecipando em cinco anos (o benefício assistencial) para aqueles que são comprovadamente pobres e permitindo que o idoso de 60 anos pobre, que hoje recebe em torno de R$ 129 por mês por grupo familiar no Bolsa Família, receba, por indivíduo, R$ 400. São 1,1 milhão de famílias e certamente o número de assistidos vai aumentar pelo menos o dobro. Em contrapartida, estamos ampliando para 70 anos a idade em que ele vai receber um salário mínimo. Isso é para distinguir a assistência da aposentadoria. É bom lembrar que 66% das pessoas que estão aposentadas recebem um salário mínimo. São pessoas que contribuíram pelo menos 19,5 anos em média para a Previdência. Qual a mensagem que estaremos mandando para a população se isso não passar? Olha, você não precisa contribuir. Se você contribuir, você vai ganhar o salário mínimo. Se você não contribuir, você vai ganhar um salário mínimo na mesma idade e nas mesmas condições.
O que acontece se o Congresso quiser fatiar a reforma, deixar a transição para depois, por exemplo?
Olha, o projeto está na mão do Congresso. Eu confio no espírito público do Congresso Nacional e na responsabilidade dos parlamentares. Temos uma grave crise fiscal, é de conhecimento de todos. Qualquer modificação que ocorra no projeto, é importante que se tenha a consciência de que tem impacto fiscal e na equidade. Se no projeto vai privilegiar uma categoria em detrimento da outra, é próprio do processo democrático, mas cada modificação que é feita tem de ficar bem clara à sociedade.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, colocou como piso uma economia de R$ 1 trilhão. Qual é o risco de sair uma reforma desidratada do Congresso?
O ministro tem a noção e a responsabilidade de conduzir a política econômica do governo. Ele sabe o tamanho do problema. A mensagem que ele está passando é que o problema é muito grave. O governo levantou a bola, agora cabe ao Congresso arredondar essa bola, fazer a sua parte, aperfeiçoar o projeto, fazer as modificações que achar importante, sabendo que toda modificação que impacte fiscalmente o projeto vai significar repercussão no País a médio e longo prazo.
Alguns pontos da proposta já foram tentados pelo ex-presidente Michel Temer, e o Congresso não aceitou. O que leva o governo a crer que o Congresso não vai querer ficar nessa zona de conforto?
Nós estamos num novo Congresso, num novo momento. A percepção da população mudou. Temos um presidente eleito, com capital político, que está colocando esse capital político em risco em prol de medidas que ele considera importantes para o conjunto da sociedade brasileira. Nós poderíamos também ficar numa zona de conforto e ver o circo pegar fogo. Não é essa a posição do governo, o governo está tendo coragem de enfrentar o problema e sabe que não será uma discussão fácil.
Os aliados do presidente Jair Bolsonaro vão apoiar a reforma, o sr. já mapeou isso nas redes sociais?
Há uma disposição favorável, sim. Isso vai ser estreitado ao longo desse período após a divulgação (do texto). Tem uma questão que é sempre bom ressaltar: as pessoas reclamam muito das exceções, perguntam se os políticos vão entrar. Vão, serão tratados como o trabalhador do INSS, se aposentarão com 65 anos (homens) com o teto do INSS. O Judiciário vai entrar? Vai, porque eles estão no topo da pirâmide. Então as regras para aposentadoria do Judiciário e do Ministério Público endurecem e muito.
Por isso a reação deles?
Sim, e o ponto de partida de juízes e promotores passou para 56 anos (mulheres) e 61 anos (homens) a idade mínima. A sociedade está reclamando de um projeto que não leu e está caindo em “fake news” justamente feito por aqueles que são das corporações. As corporações estão afrontadas e começam a jogar nas redes sociais uma versão que não corresponde à realidade. O projeto é duro com os privilegiados, porque reconhecemos que aqueles que estão no topo da pirâmide têm condições de pagar um pouco mais por esse esforço coletivo de reestruturar a Previdência.
Outro ponto de resistência é a questão dos professores. A professora do setor público vai sair, na prática, de 25 anos de contribuição para 40 anos…
Eu poderia enumerar vários pontos de resistência, mas nós vamos com o espírito de manter a espinha dorsal do projeto, porque entendemos que, da maneira que foi apresentado, resolve ou pelo menos diminui muito os problemas fiscais do País.
Os servidores estão dizendo que sofrerão confisco nos salários, porque serão alvo da alíquota de 22% mais 27,5% de Imposto de Renda…
Bom, então certamente ele ganha acima do teto (do funcionalismo, hoje em R$ 39,2 mil mensais), o que por si só já seria uma ilegalidade. Mas infelizmente existem algumas ações judiciais que permitem servidores (ganhando) acima de R$ 39 mil. Num país desigual como o nosso você receber acima de R$ 39 mil, acima do teto do ministro do STF, é evidente que o governo está incomodado com isso, a sociedade também. Por isso a alíquota de 22%.
Os congressistas reclamam também dos “penduricalhos” não relacionados à Previdência na proposta. Um deles é o fim da multa de 40% sobre o FGTS na demissão de funcionário já aposentado.
O que nós fizemos foi melhorar as possibilidades de empregabilidade para quem tem uma idade maior e está no mercado de trabalho. O espírito é desoneração de folha. Se você tem possibilidade, como empregador, de trazer para sua empresa alguém que tem experiência com obrigação social menor, é um estímulo para contratar pessoas que normalmente têm muita dificuldade de ingressar no mercado de trabalho. O efeito fiscal é praticamente inócuo.
O objetivo é facilitar para pessoas que estão perto da aposentadoria?
E aposentados, para se reinserirem no mercado de trabalho, porque fica mais fácil para o empregador.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.