Implementar as mais novas mudanças nas concessões ferroviárias significa adiar as licitações dos 11 mil quilômetros de trilhos para o ano que vem, avaliaram especialistas consultados pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. Além disso, a substituição da Valec por uma nova estatal na gestão ferroviária pode se mostrar uma medida inócua para atrair investidores, tendo em vista o que foi anunciado até o momento, porque não ataca o principal questionamento do modelo de concessão: a garantia de receita dos investidores ao longo dos contratos.
O ministro dos Transportes, César Borges, e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, informaram nesta segunda-feira, 2, que o governo prepara uma medida provisória (MP) para substituir a Valec por uma nova estatal, a Empresa Brasileira de Ferrovias S.A (EBF), que ficaria com o papel de comprar a capacidade dos novos trechos ferroviários que serão licitados e vendê-la para operadores de carga.
Os dois foram enfáticos em descartar um adiamento de leilões das linhas férreas devido à medida. A grande maioria dos especialistas, contudo, acredita em postergação do processo previsto para começar em 18 de outubro, com a licitação do trecho Açailândia (MA) – Barcarena (PA).
As MPs têm validade de 60 dias prorrogáveis por igual período. Se fosse lançada nesta segunda-feira e a votação ocorrem em 120 dias previstos, o processo seria arrastado para fevereiro do ano que vem, pois existe um recesso do Congresso de 23 de dezembro a 1º daquele mês. Rodrigo Barata, especialista do escritório Madrona Hong Mazzuco Sociedade de Advogados (MHM), lembra que o Legislativo brasileiro tem histórico de votar medidas provisórias próximas ao vencimento. “Conhecendo o nosso Legislativo, a votação fica para os últimos dias”, disse.
O presidente da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Rodrigo Vilaça, afirmou que a novidade vai levar ao adiamento dos leilões, mas considera a medida como positiva. “O governo encontrou um jeito de adiar os leilões e pensar mais e melhor.” Um analista de mercado de uma financeira internacional, que pediu para não ser identificado, já descartou concessões ferroviárias neste ano.
A substituição da Valec pela EBF foi elogiada por ter uma instituição com maior credibilidade na gestão das ferrovias, mas não ataca o problema de falta de garantia real de receita para os vencedores dos leilões. “Essa unidade vai vestir um chapéu com maior credibilidade que a Valec, mas a grande questão é se haverá ou não respaldo financeiro e se haverá garantia do Tesouro”, explicou o analista.
No modelo de concessão da presidente Dilma Rousseff, chamado de open access, a Valec – que será trocada pela EBF – vai comprar toda a capacidade da via e repassar a quem desejar utilizar os trilhos. A Valec tem R$ 15 bilhões em caixa para o início da operação, verba que será integralmente repassada à nova estatal, segundo o governo. Para concessões de 35 anos, o montante é insuficiente para afastar desconfianças. “A medida é positiva num primeiro momento, porque cria uma cadeira com maior respaldo, mas ainda restam dúvidas sobre quem será o garantidor de última instância”, disse o analista.
Insegurança jurídica
Apesar da boa intenção do governo em aperfeiçoar o modelo, outra mudança é mais motivo para deixar o investidor com o pé atrás, segundo o advogado Bruno Dario Werneck, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroa. “A novidade, por mais bem intencionada que seja, foi feita de última hora e cria sensação de insegurança jurídica”, disse.
“É muito confuso para o investidor”, endossou Werneck. Ele defende um modelo de Parceria Público-Privada (PPP) para ferrovias, que daria previsibilidade de receita ao investidor. Ou então ter o Tesouro Nacional como fiador dos projetos. “Essa seria uma medida barata e ajudaria a salvar as concessões ferroviárias.”
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer), Vicente Abate, vê a saída da Valec como uma ação necessária para credibilidade na gestão do governo nas concessões. Reconhece, todavia, que o mercado carece de uma garantia adicional de que terá receita durante todo o contrato. “É uma reestruturação necessária para apagar um nome que não vinha bem no mercado.”.
O dirigente não considera atrasos como tempo perdido, porque o modelo em construção para o trecho Açailândia-Barcarena será utilizado nos demais. “O que aconteceu de um ano para cá não é perda de tempo, é um tempo de aperfeiçoamento para que, quando sair o edital, não haja tantas dúvidas”, finalizou Abate, que se mantém otimista: “O Brasil em 2014 será um canteiro de obras”.