Divulgada na primeira semana de governo, a idéia do ministro das Comunicações, Miro Teixeira, de criar um padrão de televisão digital próprio para o Brasil ? ou em parceria com Índia ou China ? intrigou especialistas. Todos admitem que o País tem profissionais bastante gabaritados, mas, para alguns, desenvolver uma tecnologia desse tipo demandaria muito tempo e dinheiro. Também há quem diga que a decisão não seria comercialmente interessante num momento em que o país busca maior presença no mercado global. E há quem recomende cautela.
Uma cifra considerável está por trás da discussão. Quando o governo decidir qual tecnologia será adotada para a TV digital do país, estará em jogo um mercado estimado em pelo menos R$ 100 bilhões, ao longo de dez anos, segundo Izabel Mattos, diretora da Laboris Consultoria, especializada em tecnologia.
? Esse dinheiro será gasto na adaptação de vários setores da indústria de tecnologia, programação, marketing e empresas de interatividade, entre outros ? explica Izabel.
Desenvolver uma tecnologia de TV digital não é trabalho rápido. O sistema europeu (DVB), por exemplo, entrou em fase de testes em 1991 e as primeiras transmissões ocorreram somente em 1998. Já o americano (ATSC) começou a ser testado em 1995 e entrou em operação em 1998. E o padrão japonês está em testes desde 1998 e só deverá estrear com força total este ano.
Desde 1998, esses três padrões estão sendo testados pelo governo, sob responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a quem caberá escolher o padrão definitivo para o país.
Não por acaso, é uma disputa acirrada, e os defensores das tecnologias estrangeiras apresentam suas armas. Para Salomão Wajnberg, presidente da Associação Brasileira de Telecomunicações (ABT) e representante do padrão europeu no país, a criação de um padrão brasileiro não seria economicamente viável:
? Nenhum país da Europa se atreveu a desenvolver um padrão digital sozinho. Eles se uniram e criaram o padrão DVB. A política da cautela manda que sigamos os caminhos mais simples, já testados e corrigidos. E nosso mercado consiste em Europa e EUA, não China e Índia.
O presidente da ABT diz que a fabricação dos componentes envolve milhares de desenhos e especificações, que podem custar dezenas de milhões de dólares, e montar um padrão brasileiro é uma decisão que só pode ser tomada por quem formula a política industrial.
? Aconselho nossos dirigentes a verificarem a complexidade da indústria televisiva na Zona Franca de Manaus.
Também para Murilo Pederneiras, consultor do Digital Broadcasting Experts Group (DiBEG), responsável pelo padrão japonês, o governo precisa estudar melhor o caso. Ele diz que o Brasil não deveria seguir o caminho da TV digital própria e precisa trabalhar em escala global, o que se refletiria em preços mais baixos dos aparelhos digitais. Desenvolver um padrão próprio demandaria tempo e recursos e acabaria atrasando a implantação da TV digital no país.
Já Luiz Cláudio Rosa, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios da Lucent Technologies, não despreza a idéia do ministro e afirma que não se deve amarrar o Brasil a uma tecnologia rapidamente.
Rosa pondera ainda que os padrões de TV digital são recentes mesmo em seus países de origem e devem ser mais bem estudados antes de qualquer decisão. Ele admite que a TV digital poderia ser um veículo para acesso à internet, mas diz que a conexão apresentaria gargalos. E a interatividade teria de ser plena.
? Vale refletir e esperar que os modelos estejam mais maduros. Por isso, não descarto a idéia do ministro.
Parcerias com China e Índia
O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, cogita a possibilidade de o Brasil desenvolver um padrão de TV digital em parceria com países como China e Índia, que estão criando suas próprias tecnologias. Para analistas do setor, talvez não seja uma boa idéia. O motivo: os sistemas desses países ainda não estão prontos.
? Os padrões desses dois países não têm registro em nenhum organismo que regulamenta tecnologias. Com todo respeito, não acredito que consigam desenvolver algo tão bom ou próximo aos padrões que já existem ? diz Nestor Almeida, diretor da Sterling do Brasil e conselheiro do International Broadcasting Convention (IBC), entidade que reúne especialistas em tecnologia. ? Não vamos inventar a roda. A roda já foi inventada.
Por sua vez, o grupo Abert/Set (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão/Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações) já solicitou uma audiência com o ministro para discutir a TV digital no país. A instituição acompanhou o desenvolvimento e os testes de todos os sistemas. Segundo Liliana Nakonechnyi, vice-presidente da Set, diretora de telecomunicações da TV Globo e membro da Abert, desenvolver um padrão brasileiro só faria sentido caso nenhum dos existentes atendesse aos requisitos já identificados no Brasil e caso não fosse possível chegar a um acordo saudável de contrapartidas para o país com os detentores da tecnologia selecionada.
? Caso contrário, estaríamos gastando milhões e um tempo precioso, condenando a indústria de radiodifusão a perder mercado interno e a indústria eletroeletrônica a perder o potencial mercado externo.
Ministro está entusiasmado com a idéia
Brasília
(AG) – O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, está entusiasmado com a idéia de o Brasil criar um padrão de TV digital. Para ele, desenvolveria a indústria do país e geraria empregos. Mas o importante, diz, é que essa possibilidade seja discutida pelos vários segmentos da sociedade.É mesmo viável o Brasil desenvolver uma tecnologia própria de TV digital?
Miro Teixeira
– A idéia é pôr em debate essa possibilidade. Adotar uma tecnologia é uma deliberação do Estado brasileiro, e não exclusivamente do ministério. Até agora, a discussão estava limitada a três padrões de TV digital: o americano, o europeu e o japonês. Até se compreende isso, porque foram desenvolvidos e estão em exposição há mais tempo. Mas não existe consenso sobre a perfeição de todos eles. Acompanhei essa discussão e, ainda antes da posse, me ocorreu abrir esse debate. O que não quer dizer que vamos ter ou adotar um modelo brasileiro. Mas já tive manifestações da indústria, conversei com centros de pesquisa. Espero ter em 20 dias as primeiras impressões sobre essa possibilidade. O (ministro das Relações Exteriores) Celso Amorim me disse que está encantado com a idéia e já pediu a embaixadores dados sobre a tecnologia de outros países.Índia e China são países cotados para essa parceria.
Miro
– A Índia e a China, entre outros, começaram a desenvolver padrões próprios. Sobre a China, por exemplo, tive informações de que evoluiu para uma matriz tecnológica própria, o que evita o pagamento de ?royalties?. Então imagino essa outra hipótese, de desenvolver em conjunto com esses dois grandes mercados.Mas desenvolver um padrão não seria caro?
Miro
– Em sua maioria, não são investimentos públicos, mas privados. Além disso, poderá incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico, a produção de componentes eletrônicos, de televisores etc., gerando empregos, reduzindo ?royalties? e os preços dos televisores. A cada dia, estou mais convencido dessa possiblidade. Estou entusiasmado. E outro fator importante: podemos ser o padrão latino-americano.E não haveria perda de tempo na adoção da TV digital?
Miro
– Não existe um tempo certo para que se adote uma tecnologia, qualquer que seja. Temos que fazer isso no tempo economicamente suportável. E é claro que vamos ouvir a indústria, os meios de comunicação, representações de usuários. Importante é não ter a fixação de ser o dono da verdade. É ter a percepção de que é uma discussão útil para o país e que, na pior das hipóteses, a de não haver um padrão brasileiro, pode-se adotar tecnologia estrangeira e, em contrapartida, negociar redução de alíquotas de exportação de produtos brasileiros, por exemplo. Nessa negociação bilateral, o país pode ter ganhos. Mas não podemos ficar quietos, só aceitando o que nos impõem.