Dia do Trabalho

Especialistas divergem sobre terceirização e defendem debate

A melhor notícia para a discussão sobre a terceirização foi a menor celeridade e o alegado zelo do presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB-AL), para apreciar o assunto. O tema é polêmico e não teve, na opinião dos magistrados da Justiça do Trabalho e de representantes de outros setores, a discussão adequada na Câmara dos Deputados, onde residiu por cerca de 11 anos até entrar na pauta, ser apreciado e aprovado no intervalo de um mês. “O projeto de lei ficou anos na Câmara dos Deputados, mas foi aprovado com um debate muito empobrecido”, afirmou o presidente eleito Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Germano Siqueira.

Siqueira alerta que, como está redigido, o projeto de lei tem o potencial de gerar uma nova insegurança jurídica. O juiz da Justiça do Trabalho no Ceará pondera que não está claro no PL 4.330 o que é uma especialidade, conceito introduzido no projeto. Defende que há um entendimento na jurisprudência de “uns 20 anos” sobre o que é atividade-fim e o que é atividade-meio.

“Sobre o que é especialidade, o Poder Judiciário terá de empreender tempo para definir o conceito”, afirma. Ele dá como exemplo a limpeza de ruas e calçadas, hoje uma das atividades tipicamente realizada por empresas terceirizadas. “A varrição, por exemplo, é uma especialidade mesmo sem demandar conhecimento especializado ou científico do trabalhador?”, questiona o juiz.

O professor titular de economia do trabalho da Unicamp, Claudio Dedecca, concorda com Siqueira. “Caso aprovado, o projeto não resolverá a insegurança jurídica”, disse. Ele afirma que a terceirização irrestrita coloca em risco a qualidade do emprego e não é boa para o Brasil. O professor reconhece que o País está bastante atrasado em relação à modernização das leis trabalhistas, mas pondera que a proposta é confusa.

Empresas

A insegurança jurídica é o maior pesadelo de muitos empresários que pensam em terceirizar mais atividades. “O grande avanço (do PL 4.330) é a segurança jurídica com o fim da restrição sobre o que pode ser terceirizado”, afirma o assessor de assuntos estratégicos da presidência da Fiesp, André Rebelo.

“O que está por trás da terceirização é a segmentação social do trabalho e o atual estágio da especialização. No estágio em que estamos, a sua especialidade não é um produto, mas uma parte do processo produtivo. Quem tem de escolher qual parte é feita dentro ou fora é a empresa, não cabe ao governo”, afirma Rebelo.

Especialista em mercado de trabalho, o professor da Universidade de São Paulo, José Pastore, em reportagem publicada recentemente pelo Broadcast, argumenta que a terceirização é uma forma contemporânea e mais eficiente de produção. Na avaliação de Pastore, o projeto de lei aumenta a certeza sobre o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias das empresas com seus empregados. Na proposta, a contratante é considerada como solidária e não mais subsidiária em possíveis questionamentos trabalhistas. Isso significa que a contratante será acionada juntamente com a sua fornecedora, quando o trabalhador se sentir prejudicado. A grosso modo, atualmente, a empresa só é acionada quando se extinguem as possibilidades de a contratada resolver a questão.

Na avaliação de Rebelo, da Fiesp, essa mudança é ruim. “É algo excessivo, porque qualquer problema que tiver com a contratada o trabalhador poderá acionar a contratante. Mas entendemos que isso foi parte da negociação no Congresso”, diz o assessor.

Direitos do trabalhador

Especialistas têm afirmado que direitos trabalhistas – entre eles, a contratação via carteira de trabalho, férias remuneradas, recolhimento do FGTS e do INSS – não correm o risco de serem desrespeitados. Sempre que o trabalhador for empregado de uma empresa, ele terá a carteira assinada e seus direitos garantidos. O que está em jogo, dizem esses especialistas, são questões como os benefícios conquistados via negociação coletiva e também condições de trabalho.

Ainda é comum ver trabalhadores diretos e indiretos no mesmo local de trabalho com equipamentos de proteção individual (EPIs) de diferente qualidade ou utilização. Com a experiência em ações trabalhistas, o presidente eleito da Anamatra menciona o caso de um trabalhador em um banco que foi empregado com um salário inferior ao mínimo. Por conta de situações como essas, Siqueira é taxativo: “o projeto de lei como está gera uma regressão nos direitos sociais assegurados pela Constituição Federal (artigo 7º) e a desvalorização do trabalho humano”.

O texto da lei também permite que a contratante terceirize suas atividades para cooperativas, associações, sociedades em que o sócio é o trabalhador, os chamados “PJs”. Em alguns desses casos, é provável que condições de contratação – como planejamento de carreira, fornecimento de treinamento e plano de saúde, garantia de alimentação ou vale-refeição, etc. – comuns para um trabalhador direto não se repitam caso o profissional seja terceirizado.

Crítico à terceirização irrestrita, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Carlos Eduardo de Azevedo Lima, salienta que o projeto dá brechas para o descumprimento de uma série de exigências feitas a empresas a partir de um determinado porte. Por exemplo, segundo a regulamentação, somente companhias com mais de 300 trabalhadores são obrigadas a ter um refeitório em suas dependências. Outro exemplo: quanto maior a empresa em número de empregados, maior deve ser a cota definida para portadores de deficiência. Para Lima, esse raciocínio é uma forma de burlar a lei. “O objetivo da lei de cota para portadores de deficiência ou da lei do aprendiz é que a empresa com mais trabalhadores dentro de sua organização tenha mais vagas para essas pessoas. (Com o projeto de lei redigido como está), o trabalhador fica, no mínimo, desprotegido”, diz Lima.

Ao que indica o discurso de Calheiros, o projeto ainda tem uma jornada a percorrer até ser aprovado. Esse maior tempo para discussão agrada Siqueira, da Anamatra. “É relevante que o debate legislativo seja aprofundado”, diz o juiz. Do ponto de vista de empresários, há alguns pontos que merecem mais atenção. O assessor da Fiesp afirma que a proposta ainda tem algumas “arestas” para serem aparadas. Uma delas é a proibição de a empresa contratada ter como sócio um dos donos da contratante. Outra é o recolhimento compulsório de tributos sobre o custo da mão de obra, algo que não é aplicável a todas as empresas optantes pelo Simples.

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