O ministro de Assuntos Exteriores da Espanha, Miguel Ángel Moratinos, afirmou hoje que pretende retomar as negociações do acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul e concluí-las durante a presidência espanhola da UE, no primeiro semestre de 2010. Segundo ele, os dois lados perderam muito tempo, à espera da conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC), para arrematar esse acordo birregional. A negociação, argumentou Moratinos, também foi contaminada pela insistência dos dois lados em se concentrar nos temas agrícolas – subsídios e abertura de mercado. “Temos de desembarcar mais carne bovina para dizer que há um acordo estratégico entre Mercosul e União Europeia? Eu acho que não. O elemento agrícola sequestrou as negociações”, afirmou Moratinos.
O ministro espanhol defendeu que os dois lados “ponham as cartas sobre a mesa”, negociem rapidamente e concluam o acordo até meados de 2010. “A União Europeia está pronta. O Mercosul também dirá que está pronto. Mas falta o impulso político”, resumiu. “O Mercosul e a União Europeia têm interesses suficientes para fechar esse acordo antes de a Rodada Doha ser concluída”, disse.
Moratinos discordou da observação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) corre o risco de se fragilizar, por não ter adotado na prática boa parte das decisões que tomou em duas reuniões de cúpula. Moratinos afirmou que os europeus “cumpriram todos os seus deveres”, em relação à adoção de um novo modelo de supervisão financeira, aos aportes de recursos a organismos internacionais de crédito e às medidas para a eliminação de paraísos fiscais. “Estamos com o nosso dever cumprido. Não sei quanto aos demais”, afirmou, em uma alusão aos Estados Unidos.
Lula tem afirmado repetidas vezes que o Brasil deverá enfatizar na terceira cúpula do G-20, que ocorrerá em setembro em Pittsburgh (Estados Unidos), a ausência de respostas concretas dos membros dessa frente às iniciativas acordadas nos dois encontros anteriores. Para Moratinos, o foco do encontro de Pittsburgh deverá estar em outro campo – na conclusão do mecanismo internacional de supervisão financeira, “para que não se reproduza mais o caos de 2008”, na reforma das instituições financeiras internacionais e no compromisso de retomada da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Para Moratinos, a crise financeira mundial abriu um espaço para a mudança nos organismos de governança global, e essa oportunidade deve ser aproveitada. “Não podemos esperar que ocorram duas guerras mundiais para que mudemos os órgãos de governança global, como aconteceu no século 20”, afirmou.
Trem-bala
O chanceler espanhol desembarcou em Brasília com a missão oficial de dar maior consistência à parceria estratégica entre os dois países. Mas veio incumbido também de fazer um lobby em favor de empresas espanholas no processo de licitação para a instalação do trem-bala no trajeto São Paulo-Rio de Janeiro. O tema foi tratado ainda na noite de ontem por Moratinos com o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, e com representantes do Ministério do Planejamento e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) durante um jantar na embaixada espanhola.
Uma delegação de cerca de vinte empresários estava presente, entre os quais representantes de duas companhias que administram os trens de alta velocidade na Espanha, a CAF e a Talgo. “Sabemos que a concorrência será dura. Mas há vontade política e financeira da Espanha em participar desses projetos”, afirmou Moratinos. “O trem de alta velocidade entre São Paulo e o Rio de Janeiro é muito atraente para a Espanha, que será o país com mais serviço nesse campo por habitante em 2012”, completou. A Espanha atualmente é o segundo maior investidor no Brasil, atrás apenas dos Estados Unidos, com um estoque de US$ 30 bilhões injetados no País.