Pode se dizer que a cidade de Telêmaco Borba, na região dos Campos Gerais, está vivendo seu segundo momento de glória. O primeiro ocorreu na década de 60, quando o então núcleo habitacional, que ficava em uma fazenda no município de Tibagi e contava com 12 mil pessoas, foi emancipado e se tornou cidade. Isso foi impulsionado pela instalação da empresa Klabin, que trinta anos antes construiu ali uma fábrica integrada de papel. Hoje a empresa – a maior fábrica de papéis do Brasil – decidiu ampliar sua capacidade de produção – e ficará entre as dez maiores fábricas de papel do mundo, com produção estimada de 1,1 milhão de toneladas/ano, e a cidade de Telêmaco Borba, atualmente com 63 mil habitantes, também vem colhendo os lucros desse projeto.
Só na fase de execução da obra – que já está em andamento – serão investidos R$ 2,2 bilhões, criando 4,5 mil empregos e gerando R$ 356 milhões em impostos. Após a conclusão da unidade – prevista para o segundo semestre desse ano – a empresa irá injetar R$ 13 milhões por ano em salários na região de Telêmaco Borba, sendo criados 250 empregos diretos na operação da fábrica e outros 750 na área florestal. Tudo isso refletiu diretamente na rotina da cidade. Só o mercado imobiliário, por exemplo, sofreu um grande impacto. É difícil achar casas para alugar na cidade, e teve até quem aproveitou a fase para ?valorizar? o imóvel. O caso mais conhecido foi de um pequeno empresário que alugou sua casa por R$ 5 mil por mês e foi morar com a família em uma cidade maior. Mas nas cláusulas do contrato consta que os inquilinos deverão devolver o imóvel com uma piscina construída.
Há nove anos, o empresário Dirlei Dallapria iniciou a construção de um hotel em Telêmaco Borba, deslumbrando a possibilidade da ganhos com a instalação da Usina Hidrelétrica Mauá, que será erguida na divisa da cidade. Mas para felicidade de Dirlei o projeto da usina ainda não saiu, e hoje todos os 31 apartamentos do hotel estão lotados por pessoas que trabalham na ampliação da Klabin. E o melhor, as reservas são por um ano. ?Hoje já rejeito reservas porque está tudo lotado?, disse, adiantando que a partir de julho já pensa em construir 15 novos apartamentos. A estimativa de Dirlei é que em três anos conseguirá pagar o investimento do hotel. ?Em um ano pago as dívidas pendentes, e com a possibilidade da construção da usina, aposto em um movimento bom pelos próximos cinco anos?, comemora.
Há cerca de 150 quilômetros de Telêmaco Borba fica a cidade Carambeí, que também atravessa uma situação semelhante. Emancipada da cidade de Castro em 1995, Carambeí contava com 9 mil habitantes e tinha uma arrecadação suficiente para andar com as próprias pernas gerada pelas cooperativas, principalmente a Batavo, que abrangia leite, suínos e grãos. Hoje, a população dobrou, e Carambeí registrou um crescimento de 20% nos dois últimos anos. Uma das grandes responsáveis por esse cenário é a empresa Perdigão, que desde o ano de 2000 vem investindo na cidade, e hoje centraliza a produção de carnes e aves, e detém 51% das ações da empresa Batávia, que comercializa os produtos lácteos com a marca Batavo. As duas empresas juntas geram 5,7 mil empregos diretos, dos quais, 41% são locais, e participam com 45% da economia gerada em Carambeí. Segundo o vice-prefeito e secretário de Desenvolvimento, Bart Janssen, a agroindústria, tanto no campo como na indústria, respondem por 90% da arrecadação do município -que gira em tono de R$ 1,9 milhões/mês.
Situação
A realidade das duas cidades paranaenses reflete uma situação que vem crescendo no País: a de cidades que se desenvolvem a partir de empresas. A constatação é do economista e mestre em Desenvolvimento Econômico do Centro de Pesquisas Econômicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Jedson Cesar de Oliveira. A comprovação veio através do levantamento do Instituto Brasileiro de Pesquisas Estatísticas (IBGE) de 2004 que avaliou as cidades mais representativas no Produto Interno Bruto (BIB) do País.
Em 1999, sete municípios somavam 25% do PIB nacional, e cinco anos depois, a mesma fatia era dividida por dez municípios. As capitais também perderam peso na produção de riquezas, em detrimento dos municípios das suas regiões metropolitanas e daqueles fora dos grandes centros urbanos – os dez municípios que representavam 25% do PIB em 2004 eram, por ordem decrescente, São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Manaus (AM), Belo Horizonte (MG), Campos dos Goytacazes (RJ), Curitiba (PR), Macaé (RJ), Guarulhos (SP) e Duque de Caxias (RJ).
Um exemplo da influência das empresas no desenvolvimento das cidades é município fluminense de Macaé. A cidade não aparecia entre os dez principais PIBs municipais na pesquisa anterior, e agora ocupa a oitava posição no ranking. Isso é reflexo da indústria do petróleo explorado pela Petrobras.
Outro destaque é a também cidade fluminense de Porto Real, que em 2001 passou a abrigar a fábrica da PSA Peugeot-Citroën, e hoje figura entre os dez maiores PIB per capita municipais do Brasil. Para Jedson Oliveira, a parceira entre cidades e empresas é muito boa para ambos os lados, até quando a economia é favorável para o empreendimento. ?Mas isso é muito volátil, pois a cidade também absorve o impacto quando a empresa tem quedas nos seu faturamento?, afirmou. Além disso, ele acrescenta que a tendência é que os efeitos imediatos provocados pela instalação das empresas se diluam com o tempo.
O economista fez um paralelo do crescimento dessas cidades com a crise do café enfrentada pelo Brasil em 1929. ?Até esse ano, o Brasil faturava milhões com o produto. Mas a quebra na Bolsa de Nova York, em outubro de 29, provocou um grande golpe para a estabilidade da economia cafeeira, e afetou diretamente o Brasil. Foi a partir daí que o País começou a diversificar sua pauta de produção?, lembrou. E essa deve ser a saída para essas cidades que possuem o crescimento baseado em apenas um segmento.
?Nesse momento de bonança, os municípios deveriam investir em outros setores, atraírem outras indústrias, para não ficarem tão dependentes?, avaliou o economista. Ele citou como um caso negativo dessa dependência a cidade paranaense de Adrianópolis, no Vale da Ribeira. Na década de 40, o município começou a lucrar com a indústria de mineração de chumbo.
Plumbum S/A. Foi ela que durante cinco décadas movimentou toda a economia de Adrianópolis, que chegou a ter quase 13 mil habitantes. Hoje, com menos da metade dessa população, Adrianópolis registrou no último censo do IBGE uma taxa de crescimento negativo de 1,15%.
As empresas e suas responsabilidades
Foto: Beth Bocabello |
Francisco Razolin: ações para o desenvolvimento. |
Embora admitindo que o município de Telêmaco Borba esteja vivendo um momento extraordinário, o prefeito Eros Danilo Araújo afirma que vem buscando atrair outros empreendimentos para a cidade na tentativa de diminuir a dependência da Klabin. Com um orçamento de R$ 52 milhões/ano – cuja maior cifra, que o Araújo não quis declinar, é gerada pela fábrica de papel -, a Prefeitura vem qualificando mão-de-obra na área de costura industrial, e já confirmou a chegada da primeira indústria moveleira. Também aposta na instalação de uma unidade de beneficiamento de mel e na produção de mudas florestais de forma compartilhada com outros municípios.
Mas para tirar ainda mais proveito dessa fase positiva da ampliação da Klabin, a Prefeitura de Telêmaco Borba atrelou a vinda dos fornecedores da fábrica com a abertura de uma filial na cidade, uma estratégia que irá aumentar mais a arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS). ?Com a ampliação da fábrica estamos tendo impacto direto em todos os segmentos da cidade e, por isso, precisamos de mais recursos para tentar equacionar essa demanda?, disse o prefeito.
Assim como Telêmaco Borba, Carambeí também tenta minimizar os impactos do crescimento. Hoje, um dos grandes problemas no município, admite o vice-prefeito e secretário de Desenvolvimento, Bart Janssen, é a questão habitacional. Além da falta de opções, os valores praticados dobraram nos últimos anos, o que vem dificultando até a expansão das empresas. ?Muitos funcionários vêm ou voltam todos os dias para cidades vizinhas, como Castro e Ponta Grossa, o que faz aumentar o custo para as empresas?, disse Janssen. Na tentativa de reduzir isso, empresas e Prefeitura estão trabalhando juntas na construção de núcleos habitacionais.
O diretor de relações institucionais da Perdigão, Ricardo Menezes, afirma que o déficit habitacional dificulta o crescimento da empresa, e que a mão-de-obra que vem de fora não só gera custos, mas também provoca desgaste para os funcionários. Outra dificuldade hoje, diz o diretor, tem sido encontra mão-de-obra masculina em Carambeí. ?Pela cidade concentrar um grande número de cooperativas que demandam desses, trabalhadores, a mão-de-obra local está toda ocupada?, falou. Segundo Menezes a empresa reconhece sua influência na cidade e garante que busca alternativas para diminuir seus impactos.
Com a mesma visão, a Batávia também tenta ?fazer sua parte? dentro do município. O gerente executivo de gestão de pessoal, Walmir Luis Picolotto, diz que a empresa acaba oportunizando uma série de ações, tanto sociais, ambientais como econômicas, para, de certa forma, suprir uma necessidade que a Prefeitura não consegue atender, tirando a demanda do município. Entre as ações estão a formação de mão-de-obra, assistência médica para o funcionário e família, inclusão digital e programas de integração para jovens.
O diretor do projeto de expansão da Klabin, Francisco Razolin, também reconhece a importância da fábrica para o município e afirma que a empresa tem procurado manter ações para o desenvolvimento da cidade. Uma das principais foi a criação, em 1993, do Pólo Madeireiro, fruto de uma parceira entre a Klabin, Universidade Estadual de Ponta Grossa e a Prefeitura. Entre os resultados desse trabalho está a atração de 50 empresas para a região – muitas exportadoras – nas áreas de molduras e móveis para jardim, que empregam 3,5 mil pessoas. Com isso, a receita de Telêmaco dobrou nos últimos sete anos, e a arrecadação de ICMS aumentou em 70% no período.