A Petrobras é a principal credora do mercado de curto prazo de energia elétrica no Brasil. Com a crise hídrica que atinge o País desde 2013, o nível dos reservatórios das hidrelétricas caiu de forma acelerada, exigiu a entrada em operação de dezenas de térmicas e causou um prejuízo bilionário para as geradoras, que pode variar de R$ 10 bilhões a R$ 20 bilhões. Essas perdas viraram motivo de uma grande batalha judicial no mercado elétrico brasileiro, que resultou em uma inadimplência de mais de R$ 4 bilhões até agora.
Cerca de 25% desse montante, ou R$ 1 bilhão, deveria ter entrado no caixa da Petrobras pela produção de energia de suas térmicas. A estatal, que passa por dificuldades financeiras, tem mais de 20 usinas à disposição do Operador Nacional de Energia Elétrica (ONS) para garantir o abastecimento do País. Com os reservatórios em baixa, a maioria dessas térmicas produziu energia elétrica nos últimos meses.
Conhecidas como ‘usinas merchant’, muitas unidades da petroleira – que não quis se pronunciar sobre o assunto – não têm contrato de venda de energia. Nesse caso, toda produção é vendida no mercado de curto prazo e liquidada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) – empresa que faz o acerto de contas das transações no mercado à vista. No ano passado, por exemplo, quando o preço da energia estava em R$ 822 o megawatt hora (MWh), a estatal saiu lucrando.
Mas, neste ano, a situação se complicou com o chamado risco hidrológico, que é o déficit na geração de energia (GSF). Com menos água nos reservatórios, as hidrelétricas produziram menos eletricidade do que estava previsto no contrato. A diferença teve de ser recomprada no mercado para atender o contrato – o que provocou a perda bilionária. As geradoras hídricas argumentam que o fato de gerar menos não é sua responsabilidade e, portanto, não podem arcar com os prejuízos.
Efeito cascata
O resultado foi que muitas geradoras hídricas entraram na Justiça para não pagar o prejuízo na CCEE e provocaram um efeito cascata. Pelas regras do setor, o valor não pago por alguns agentes tem de ser bancado pelos demais. Mas como os volumes eram elevados, essas empresas também conseguiram liminares para não pagar a mais. No fim, quem tinha a receber também entrou na Justiça para não ficar sem o pagamento.
“Com isso, o mercado travou”, afirma o presidente da CMU Comercializadora, Walter Fróes. No início do mês, a CCEE foi obrigada a suspender a liquidação referente ao mês de setembro até que o governo federal consiga um acordo com as empresas do setor.
A esperança do governo é que haja a adesão das empresas à Medida Provisória (MP) 688, que propõe a repactuação das dívidas ao longo dos próximos anos e exige que elas desistam das ações judiciais envolvendo o risco hidrológico. A MP já era para ter sido votada, mas foi adiada para a terça-feira, 24.
“Toda essa crise gerou uma falta de preocupação com a adimplência do mercado de curto prazo. Antes, se uma empresa ficasse inadimplente, no dia seguinte ninguém queria fazer negócio com ela”, afirma o presidente da comercializadora Comerc, Cristopher Vlavianos.
Segundo Walter Fróes, da CMU, essa situação tem provocado um movimento inusitado. Para evitar exposição à CCEE, algumas geradoras estão fechando contrato de venda de energia com deságio. Esse fator aliado à forte escalada das tarifas de eletricidade têm levado vários consumidores que hoje são atendidos pelas distribuidoras a buscar o mercado livre – ambiente em que o consumidor escolhe de quem vai comprar a energia elétrica.
Fróes afirma que nos últimos meses já conquistou 60 novos clientes que migraram para o mercado livre. Eles começam a ser atendidos em 2016. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.