Piso salarial ao redor de R$ 2 mil, Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de até R$ 30 mil, ganho real de no mínimo 2,5%, vale-mercado e outros benefícios, que elevam o salário mensal para pelo menos R$ 3 mil. Quem não quer um emprego destes, num dos setores que melhores acordos coletivos conquista no País? Estamos falando do polo automotivo da Grande Curitiba. “O Paraná detém hoje uma condição muito favorável de negociação tanto nas montadoras quanto nas fornecedoras de autopeças, que oferecem vantagens similares”, afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba (SMC), Sérgio Butka.
Segundo ele, os acordos salariais fechados nas três fabricantes de veículos da região metropolitana (Volkswagen, Renault e Volvo) superam em 20 a 30% as negociações de qualquer montadora do Brasil. “Tem muita gente que prefere trabalhar numa autopeça, onde a linha de produção não é tão puxada quanto numa montadora e os salários são parecidos”, observa o sindicalista. Só que nem tudo são “flores” para quem opta pelo trabalho neste setor. Além da pressão por resultados e do ritmo de trabalho desgastante, instabilidades na economia nacional e internacional se refletem rapidamente no desempenho das fábricas de automóveis e aí, cada empresa adota um caminho para driblar as adversidades. Entre eles, demissões.
É o que acontece neste momento no Brasil. A Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) projeta queda de 10% na produção e 5,4% nas vendas neste ano. De janeiro a outubro, a comercialização recuou 16%, mas a expectativa é de uma ligeira melhora em novembro e dezembro, como historicamente acontece. “Já estávamos preparados para essa caída que teve em 2014, culminando com a Copa e as eleições, que todos os anos geram impacto negativo. Nós vivemos nos últimos 5 meses uma bolha no setor automotivo, onde se vendeu mais automóvel do que se imaginava vender. Essa bolha uma hora teria que estourar. Desde 2008 a gente esperava que a economia mundial melhorasse, o que não aconteceu, e agora tem a situação da América Latina, com a Argentina se complicando”, pontua Butka.
“O que as empresas estão fazendo hoje é se readequando à nova realidade de vendas e produção no Brasil. Estamos pagando também a abertura de quase 20 montadoras se instalando no Brasil, além do que o mercado comporta. O que estamos buscando para manter a maioria dos empregos é usar as ferramentas que temos, como lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho), banco de horas e férias. Achamos que a partir de dezembro teremos uma retomada tímida no setor que vai possibilitar que comece a reagir no primeiro semestre de 2015 e manter o máximo de empregos possíveis que vamos preservar com essas medidas que estamos tomando junto com as empresas”, fala o dirigente sindical.
Ele salienta que, apesar das perdas de empregos contabilizadas ao longo deste ano, não houve perdas salariais, em função dos acordos fechados para três anos (veja o quadro). “Na Renault, antecipamos para março a negociação que seria em setembro. Na Volks, só vamos voltar a negociar no segundo semestre do ano que vem, quando a tendência da economia é de crescimento. Ou seja, nas duas empresas que poderíamos ter problemas, conseguimos superar a marola do mercado sem muita dificuldade”, avalia.
Conforme Butka, mesmo quem é dispensado do segmento automotivo encontra com facilidade oportunidade em outro setor econômico, até mesmo em indústria de ramo diferente. “Quem sai hoje de uma montadora não se ressente tanto. O sindicato tem um banco de empregos, mas não tivemos quase nenhuma procura destes trabalhadores, o que significa que existe oferta de emprego no mercado de trabalho e a grande maioria consegue recolocação”. Ele admite que há também aqueles que tentam abrir seu próprio negócio com a “bolada&r,dquo; da rescisão. “Muitos montam uma quitanda, lanchonete ou mercadinho e tocam a vida assim, que é menos desgastante que bater ponto todo dia. Alguns têm sorte, mas muitos não”, reconhece.
Demissões, férias coletivas e lay-off
Entre as montadoras do Paraná, a Volvo foi a única que não teve oscilação na produção em 2014, mesmo com a retração no mercado. Demitiu 200 pessoas e ficou com 3 mil trabalhadores, mas manteve o ritmo de 80 caminhões pesados, 44 médios e 8 ônibus por dia. Já Renault e Volkswagen, ambas com plantas em São José dos Pinhais, tiveram que enxugar a estrutura e cortaram o terceiro turno de trabalho.
A Volkswagen foi a mais atingida. A cadência de produção diária caiu de 740 para 313 veículos. O volume de carros armazenado no pátio está próximo de três meses, conforme o SMC. O normal é 15 dias. “Como tem um quadro mais enxuto, houve poucas demissões (71), está com 3.200 trabalhadores, mas foram feitas três turmas de lay-off esse ano e férias coletivas (1.270 trabalhadores atingidos). Para 2015, vai começar a produção do Audi e do novo Golf, mas como são volumes pequenos (20 mil unidades/ano) para uma faixa exclusiva de mercado, vai demorar mais para se equilibrar e não vamos ver tão cedo contratações em massa de trabalhadores como se espera na Renault, que terá dois novos produtos no ano que vem, entre eles um popular com preço competitivo”, avalia Butka.
A multinacional francesa foi impactada principalmente pelo corte de 90 mil automóveis que seriam exportados para a Argentina, o que representou redução de 62% no volume destinado ao país vizinho, aliado à queda de 9% nas vendas domésticas. Por isso, criou um plano de incentivo para os funcionários que desejassem se desligar, oferecendo um salário extra por ano trabalhado. De acordo com o sindicato, cerca de 700 colaboradores deixaram a empresa atraídos por essa proposta, mas com outros desligamentos, o total de demissões chegou a 1.167. Mas 6 mil ainda permanecem empregados.
A empresa também adotou férias coletivas e paradas na produção – só em novembro, estão previstas quatro interrupções na fábrica de veículos de passeio. Com essas medidas, reduziu a produção em quase 40% – do pico de 1.050 carros por dia, há dois meses, para 650. Nos pátios da fábrica, o volume de carros é suficiente para abastecer as concessionárias por dois meses. Entre eles, 20 mil unidades de pedidos cancelados pela Argentina. “Estes carros não servem para o mercado nacional porque são específicos para atender a legislação argentina, como populares com motor a diesel”, aponta Butka.
