Uma combinação de fatores macroeconômicos e políticos faz com que Brasil e Índia tracem caminhos opostos em 2015, em meio à turbulência observada recentemente nos mercados emergentes. Enquanto a nação asiática desponta como exemplo de crescimento, a economia brasileira enfrenta uma forte crise.
O mais recente exemplo de quão distinta está a trajetória dos dois países foi dado pelo Banco da Reserva da Índia (RBI, na sigla em inglês), que cortou nesta terça-feira, 29, a taxa básica de juros para 6,75% ao ano, a quarta redução neste ano. Por sua vez, o Banco Central do Brasil elevou a Selic para 14,25% em um ciclo de aperto monetário que durou seis reuniões e foi encerrado em julho.
A diminuição da taxa de juros na Índia foi possível diante da redução da inflação no país, o que não acontece no Brasil. O índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) indiano em agosto subiu 3,66% em comparação com agosto do ano passado, o nível mais baixo em nove meses.
No Brasil, embora a alta mensal de 0,22% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em agosto tenha sido a menor para o mês desde 2010, o aumento de 7,06% no acumulado do ano até agosto foi o maior para o período desde 2003. Em 12 meses, o indicador teve alta de 9,53%, bem acima do teto da meta do Banco Central, que é de 6,5% ao ano.
As diferenças não param por aí. A mais recente projeção do Banco Mundial estima que a Índia vai liderar o crescimento global em 2015, com avanço de 7,5% no Produto Interno Bruto (PIB). Para o Brasil, porém, a instituição prevê contração de 1,3%.
A diferença é ainda mais evidente na comparação entre as estimativas dos bancos centrais de cada país. Enquanto o RBI projeta expansão do PIB indiano de 7,6% em 2015, o Banco Central revisou na semana passada a projeção de retração da economia brasileira de 1,1% para 2,7%.
“O que me parece é que a Índia tem tido, em certo ponto, um pouco mais de sorte que o Brasil. A Índia é um importador líquido de commodities e tem fraca relação comercial com a China. Assim, ela tem sido poupada dos dois grandes choques externos que atingiram o Brasil”, afirmou ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, o analista-chefe do Nordea, Anders Svendsen.
O analista aponta ainda um fator interno que distingue Índia e Brasil: a política. Os dois países tiveram eleições gerais em 2014 e a decisão das urnas foi de mudança na Índia, com a ascensão ao cargo de primeiro-ministro do direitista Narendra Modi, e de continuidade no Brasil, com a reeleição de Dilma Rousseff.
Porém, ambos os governantes no início de seus mandatos atuais prometeram mudanças. Na Índia, Modi assumiu uma agenda de reformas pró-mercado, enquanto no Brasil Dilma passou a implementar um forte ajuste das contas públicas.
“Novamente, eu acho que a Índia teve um pouco mais de sorte. Modi tem força política o suficiente para implementar reformas, já Dilma tem sido atingida por tudo que é possível de más notícias, o que faz grande diferença”, disse Svendsen, que acredita que o caminho para a retomada do crescimento do Brasil passa pela simplificação do modelo fiscal e uma maior abertura aos mercados.
O chefe global de estratégia para mercados emergentes do BBH, Win Thin, pondera, no entanto, que as reformas anunciadas por Modi têm decepcionado alguns observadores que esperavam movimentos mais ousados. “A Índia tem muitos dos mesmos problemas do Brasil, como mercado de trabalho e falta de infraestrutura, mas, ainda assim, o quadro macroeconômico indiano é bem melhor que o brasileiro”, acrescentou.
Para Thin, o Brasil não deve correr atrás apenas das reformas, mas também garantir a efetividade do ajuste fiscal. “As políticas macroeconômicas brasileiras foram muito mal feitas nos últimos tempos. Os gastos subiram acentuadamente no período do boom das commodities e agora têm de ser ajustados em um cenário de baixa dos preços. Mais uma vez, a Índia não enfrentou um problema semelhante”, afirmou.