O El Niño traz preocupações em relação à colheita de milho safrinha e de trigo no Sul e Sudeste, mas o esperado aumento das chuvas, que começa agora e se estende até o verão, deve garantir boas condições às lavouras de soja e de milho 2014/15. Esses dois grãos respondem por mais de 80% da produção agrícola nacional e o aumento da umidade afasta o risco sempre presente no verão de estiagem em momentos críticos de desenvolvimento das plantas.
A desvantagem para o produtor é que a expectativa de maior produtividade sinaliza oferta e preços mais baixos no momento da comercialização da safra. Empresas de meteorologia consultadas pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, divergem sobre a intensidade e o período em que o fenômeno climático deve de fato se instalar, mas reconhecem que as condições climáticas no ciclo de produção que começa em 1º de julho favorecerá o Brasil em detrimento de outros competidores como Estados Unidos (no caso dos grãos) e Índia (açúcar).
“Com uma safra de verão maior, as cotações tendem a se acomodar no segundo semestre deste ano”, disse Robson Mafioletti, assessor técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar). Segundo ele, o possível aumento das precipitações pode mudar o cenário de perdas verificado no último período. “Tivemos veranicos em dezembro de 2013 e em janeiro e fevereiro deste ano que causaram cerca de 3 milhões de toneladas de prejuízo”, lembrou.
Em relatório, Robert van Baterburg, diretor de estratégia de mercado da Newedge, diz que, com o El Niño, o Brasil deverá colher uma safra de soja “abundante” na próxima temporada, ampliando os estoques. Segundo dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o Brasil deve produzir no próximo ciclo 91 milhões de toneladas. O País deve ser o principal exportador da oleaginosa na safra 2014/15, com 45 milhões de toneladas, à frente dos EUA, com previsão de 44,23 milhões de toneladas.
O fenômeno, que se repete a cada três anos aproximadamente, é provocado pelo aumento atípico da temperatura superficial das águas do Oceano Pacífico e causa distorções climáticas no mundo todo. A diminuição das chuvas de monções na Índia ameaça, principalmente, a produção de açúcar. O clima mais seco no Sudeste Asiático e na Austrália podem representar problemas para as produções de palma (da qual é extraído o óleo) e de trigo, respectivamente. O último El Niño ocorreu em 2012 e, antes disso, em 2009, mas nestas duas ocasiões a intensidade foi moderada, o que pode se repetir este ano.
Nos Estados Unidos, o fenômeno pode provocar o aumento gradual das temperaturas no segundo semestre no nordeste do país, perto do cinturão produtor de milho. “Neste caso, não há um padrão específico. Mas, com o El Niño, o Meio-Oeste norte-americano pode registrar um calor mais intenso que o normal, além de receber chuvas irregulares”, disse Alexandre Nascimento, meteorologista da Climatempo.
Em relatório, o banco Morgan Stanley prevê que o fenômeno terá um impacto maior no inverno norte-americano, entre dezembro e março, do que no verão, entre junho e setembro, o que significa que a produtividade do milho e da soja cultivados no país pode não receber um impulso tão grande de chuvas abundantes e do clima mais frio que o El Niño costuma trazer.
No Brasil, além da concentração de chuvas no Sul, o El Niño pode significar um clima menos úmido no Sudeste. “A condição de clima seco prolongado não é ruim para a região”, afirmou Celso Oliveira, meteorologista da Somar, em relação à colheita de café. Mesmo assim, ele pondera que a seca pode acelerar a maturação e a retirada dos grãos, prejudicando a qualidade. “Com isso, podemos ter problemas na próxima safra.” Oliveira, alerta também que o aumento das chuvas pode prejudicar a colheita de milho safrinha e de cana-de-açúcar, em andamento nos estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul. O trigo começa a ser colhido no Sudeste em julho e é retirado até novembro no Paraná e Rio Grande do Sul
Para Cláudio Dóro, assistente técnico da Emater, já é possível observar um aumento da umidade no Rio Grande do Sul. “Estamos percebendo os efeitos do El Niño. No mês passado, por exemplo, recebemos 50% de chuvas acima da média no norte do Estado”, disse.
Meteorologistas divergem sobre o período de desenvolvimento e a intensidade do El Niño no Brasil. Nascimento, da Climatempo, diz que os efeitos do fenômeno devem ser sentido no País a partir de julho ou agosto e durar até março do ano que vem. “Há 90% de chance de ocorrência,” previu, acrescentando que a força do fenômeno deve ser de fraca a moderada. “Ainda não estamos com configurações bem definidas”, disse Fábio Rocha, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas (Inpe).
Oliveira, da Somar, acredita que o fenômeno já está causando interferências no clima do País. “O aquecimento clássico das águas do Pacífico começou no final de abril, ou seja, já dá para sentir seus efeitos”, afirmou. Um exemplo disso, segundo Oliveira, são as fortes chuvas que atingiram o sul do País no último fim de semana.
De acordo com dados da Somar, a região central do Paraná foi uma das mais prejudicadas: depois de três dias consecutivos de precipitações, o acumulado superava a casa dos 350 mm, que corresponde mais do que o dobro da média para o mês de junho. Ele acrescenta que este ano o fenômeno deve ter “tiro curto”, parecido com o de 2012, e deve perder as características de um El Niño clássico já em novembro.