Ao completar 20 anos, o Plano Real deixou como marca a vitória na sua principal batalha: acabar com a hiperinflação. Antes de a nova moeda entrar em circulação, em junho de 1994, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) estava em 47,43% ao mês. Em julho daquele mesmo ano, a inflação caiu para 6,84%.

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A estabilização permitiu avanços: o mercado de trabalho se formalizou, a desigualdade social diminuiu, o Brasil passou de devedor a credor do FMI e a economia brasileira foi elevada a grau de investimento pelas principais agências internacionais de classificação de risco.

Apesar da estabilidade, que colocou o País num novo patamar de desenvolvimento, a economia brasileira ainda tem diversos desafios, como a própria manutenção dos índices de inflação e a até redução deles para patamares similares aos de países desenvolvidos. O Brasil ainda não conseguiu, por exemplo, resolver um dos eternos dilemas: conjugar alto crescimento com uma baixa inflação.

Hoje, é consenso que o País precisa de reformas estruturais, como trabalhista, fiscal e política, para ter um novo impulso econômico. O Brasil se tornou pouco produtivo e acumula baixo crescimento. Essas são reflexões de alguns dos principais pensadores econômicos do País sobre os 20 anos de estabilização.

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Estabilização

Para o economista Samuel Pessôa, do Ibre/Fundação Getulio Vargas, o principal legado é a estabilização. “O principal legado do Plano Real é estabilização macroeconômica, com a redução da inflação. Eu tenho uma visão menos ambiciosa do plano. A missão do plano era controlar a inflação e isso foi feito. Fala-se muito das altas taxas de juros, da estabilização macroeconômica incompleta. Eu acho que as altas taxas de juros estão mais associadas ao desequilíbrio fiscal, ao problema do gasto público e da baixa poupança do País. Não me parece que seria atribuição do Plano Real endereçar essa questões. O Plano Real foi muito bem desenhando, com aquela engenharia das duas moedas. Ele endereçou corretamente a questão da inflação inercial e o componente inercial da inflação foi bem atacado. No período inicial, o plano usou uma âncora cambial e quando ela estava no limite, com as reservas acabando, o sistema político se mexeu e promoveu um ajuste fiscal. Sem uma série de instituições – as mais importantes foram a negociação das dívidas estaduais e a Lei de Responsabilidade Fiscal, o plano teria acabado. Se não houvesse o complemento da parte fiscal do plano no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso não estaríamos comemorando 20 anos do Real.”

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Carências

Para o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga a estabilização hoje está mais frágil. “É difícil imaginar plano mais bem-sucedido do que foi o Plano Real. Foi o sexto, sétimo ou oitavo plano depois de uma série de tentativas fracassadas. Era um caso muito difícil, em função da indexação, e foi, naquele momento, muito elogiado pelo mundo afora. Mas o Brasil é muito carente. Não é razoável achar que a estabilização da moeda por si só resolveria tudo. Foi um passo importante, mas ainda há muito trabalho pela frente. O Brasil continua sendo um país de renda média baixa, ainda muito desigual. Continua tendo carências no campo da educação e da saúde. A estabilização mostrou que era possível melhorar, mas entre ser possível e acontecer é preciso não só trabalhar muito como bem e de maneira eficaz. Eu acho que a estabilização hoje está mais frágil. Temos uma situação fiscal que vem perdendo credibilidade e inflação alta, apesar da retenção de preços. Se não estivesse sen,do tabelada, seria provavelmente superior a 7% – número alto, apesar de menor do que antes do Plano Real. Essa combinação de fragilidade na área fiscal e certa falta de compromisso em relação à inflação me preocupa porque o Brasil conhece a tragédia que foi a bagunça macroeconômica e não pode brincar com essas coisas.”

Reformas

Outro ex-presidente do BC, Gustavo Franco, acredita que está na hora de uma nova onda de reformas. “Em retrospecto, gostaria que tivéssemos sido bem mais ambiciosos nas reformas. Não houve a revisão constitucional e ali poderíamos ter feito muita coisa. Mas ela não aconteceu por razões que nunca entendi direito. O real produziu um impulso político positivo durante um período – que não foi muito longo. Um processo em que se foi fazendo uma, duas, três grandes privatizações ou mudanças constitucionais, que trouxeram aberturas de horizontes de longo prazo, beneficiaram maiorias, mas criaram minorias ressentidas, criaram desgate político. E em certo momento, o sistema político fica fatigado. Isso aconteceu sobretudo na segunda metade do governo FHC. No Lula I, já tinha algo de não se fazer mais reformas porque era cansativo politicamente. Esse período longo que vivemos descansando de fazer reformas pode ter acomodado as coisas, mas exaurimos as possibilidades criadas pela onda associada ao Plano Real. Passados 20 anos, está na hora de nova onda de reformas porque se esgotou o impulso do crescimento.”

Meta

Para o ex-presidente do BNDES Luiz Carlos Mendonça de Barros quem só olha meta é chato de galochas. “Eu vivi o Plano Real e vivi antes do Plano Real. Eu estava no Banco Central no Plano Cruzado. Naquela época, a inflação era 2% o dia útil. Mas isso ficou para trás. Quantas gerações já temos de brasileiros que nem sabem o que era hiperinflação? Em 1993, dois terços viviam na informalidade econômica. Hoje, 70% dos brasileiros vivem na formalidade. Esta é a mudança mais extraordinária ocasionada pelo Plano Real e as pessoas ficam tão focadas nas variáveis macroeconômicas que deixam isso de lado. O grande legado evidente poderia se dizer que é a inflação. Mas não é. Sem inflação, a sociedade brasileira mudou. Quem fica só olhando a meta de inflação, e mais não sei o quê, é um chato de galochas. Isso não é fundamental, pois se muda mudando o governo. A coisa mais importante do Plano Real é que permitiu que uma sociedade deixasse de ser de segunda classe em termos econômicos, que não tinha futuro porque não sabia qual seria a renda para frente. Hoje essa sociedade tem futuro. Quando você formaliza uma sociedade, mudam os valores. Hoje, o cidadão tem vida econômica própria e vai olhar para o Estado como alguém que tira dinheiro dele com impostos e devolve com serviços de baixa qualidade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.