A economia mundial ainda não superou a crise financeira de 2008 e se mostra incapaz de crescer de acordo com sua taxa de Produto Interno Bruto (PIB) potencial. Nesse cenário pouco alentador, o economista Mohamed El-Erian ainda vê a possibilidade de novos desgastes. As questões geopolíticas que envolvem o Iraque e a Síria e também a Ucrânia impõem novos riscos para a Europa, ainda às voltas com o ambiente econômico recessivo. A opção dos bancos centrais das economias industrializadas pelo afrouxo quantitativo traz a ameaça de nova instabilidade financeira.
“A economia mundial enfrenta obstáculos estruturais, insuficiente coordenação política entre os países e padrões desequilibrados de demanda”, afirmou El-Erian. “O contínuo hiperativismo dos bancos centrais se reflete na frustração com o crescimento econômico anêmico, a criação de empregos insuficiente e a inflação superbaixa”, completa ele, ao criticar a atitude passiva dos governos.
Para El-Erian, a economia dos Estados Unidos está ainda frágil, como um paciente que recebeu alta do hospital depois de ter passado pela UTI. A China e o Japão seguem reformas acertadas. Com sua economia estagnada, o Brasil apela por medidas pouco eficazes para a retomada do crescimento e não se atreve a conduzir a segunda geração de reformas – tributária, política, previdenciária, trabalhista, todas em pauta há mais de 20 anos. “Em vez de empurrar a economia com políticas bem adaptadas às circunstâncias atuais do País, o governo prefere retomar políticas menos efetivas”, criticou.
Depois de 14 anos de carreira na Pimco, uma das maiores administradoras de fundos de investimento, El-Erian deixou a empresa e passou a atuar como consultor para o conselho administrativo de sua proprietária, a Allianz, e como presidente do Conselho de Desenvolvimento Mundial, criado pela Casa Branca. Conforme explicou, chegara o momento de “alcançar um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal”. “Tenho mais flexibilidade de horários para algo muito importante: passar muito mais tempo com minha filha maravilhosa, de 11 anos. Eu perdi muitos de seus momentos especiais”, afirmou ele, que está neste momento escrevendo um livro, além de colunas para a Bloomberg e o Financial Times.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é o novo “normal” da economia mundial e seus principais riscos?
A economia mundial de hoje enfrenta obstáculos estruturais, a insuficiente coordenação política entre os países e padrões desequilibrados de demanda. Por isso, não se mostra ainda capaz de crescer em sua taxa potencial nem de superar definitivamente a herança da crise financeira de 2008.
Em setembro de 2013, o sr. disse que os bancos centrais estavam se
valendo de “instrumentos imperfeitos” enquanto os formuladores de política
macroeconômica continuavam passivos. Os bancos centrais continuam
hiperativos?
Sim, continuam, embora nos países do G-7 haja diferente velocidade de uso de instrumentos imperfeitos. O Federal Reserve (banco central americano) está eliminando seu programa de afrouxo quantitativo (QE) e fazendo mais para avançar na orientação de sua política. Enquanto isso, o Banco do Japão se aventura fundo nesse território experimental, e o Banco Central Europeu (BCE) está se preparando para fazer o mesmo. O contínuo hiperativismo dos bancos centrais se reflete na frustração com o crescimento econômico anêmico, a criação de empregos insuficiente e a inflação superbaixa. Com o fracasso das outras instituições de governo formuladoras de política em assumir suficientemente suas responsabilidades, os bancos centrais sentem-se na obrigação de fazer o que puderem, mesmo se eles não tiverem os melhores instrumentos. Eles estão dispostos a trocar esses estímulos econômicos pelo risco de instabilidade financeira e de ciclos desfavoráveis.
As crises no Iraque e Síria e na Ucrânia podem comprometer a recuperação
econômica europeia e, como consequência, a mundial?
Sim, há risco. Especialmente porque ambos os casos de tensões geopolíticas podem trazer incertezas sobre o suprimento de energia. Todos os dias, os conflitos no Iraque e na Síria e na Ucrânia resultam em tremendo sofrimento humano. Eles induzem a emigração de refugiados e de militantes e ameaçam a estabilidade dos países vizinhos. A situação da Ucrânia é a menos explosiva, mas ainda assim instável. Há risco de a contínua renovação de tensões provocar sanções mais duras do Ocidente contra a Rússia. Retaliações contra dois setores em particular, energia e financeiro, podem levar a Rússia a restringir o fluxo de energia da Europa Central para a Ocidental. O resultado não seria apenas a recessão da Rússia, a 7.ª maior economia, mas também da Europa, a maior região econômica mundial.
Apesar da queda de 2,9% na taxa de crescimento anualizada no primeiro
trimestre – a maior contração desde 2008-, alguns economistas dizem que a
economia dos EUA está pronta para arrancar, empurrada pelo consumo. O
sr. concorda?
Houve um elemento temporário e rapidamente reversível nesse resultado: o impacto do mau tempo no consumo, na produção e na distribuição. Por causa disso, os EUA verão um forte salto na taxa de crescimento no restante de 2014. Isso é uma boa notícia. A má notícia é que o grau da contração no primeiro trimestre chama a atenção para a fragilidade da economia americana. Enquanto está se curando, continua debilitada pelas enfermidades estruturais. A decolagem da atividade se mostra enganosa. Há uma maneira de se pensar a economia americana: depois de baixar na Unidade de Terapia Intensiva do hospital entre 2008 e 2009, ela gradualmente se curou e recebeu alta. Mas por causa da enfermidade estrutural, não pode correr rápido nem por longa distância. Se for surpreendida por um forte obstáculo, pode tropeçar.
Quais os principais obstáculos? O ambiente político interno interfere na
superação deles?
Há três obstáculos que, apesar de serem mais fortes na América, também estão no caminho da Europa. Todos foram acentuados pela polarização e inação do Congresso, algo que os americanos entendem muito bem, dada a popularidade abaixo de 7% do Legislativo. Primeiro, os EUA não investiram o suficiente nos motores do crescimento. Em vez de pôr foco nos setores produtivos, inclusive na melhoria da infraestrutura, o sistema está apaixonado há uma década pelo setor financeiro, com a crença de que a economia pode crescer com base na geração de crédito, da alavancagem e da dívida dos programas sociais. Em vez de produzir um crescimento genuíno, os EUA acabaram tomando emprestado o crescimento futuro e plantando as sementes de uma séria instabilidade financeira. Segundo, alguns setores privados continuam minados por uma dívida tão grande que não conseguem obter novos empréstimos. Como ocorreu na América Latina nos anos 80, a década perdida, esse passivo excessivo desencoraja novos investimentos produtivos e segura o crescimento atual e futuro. Terceiro, os EUA tiveram de lidar com uma demanda agregada insuficiente, gerada também pela excessiva contenção orçamentária.
A “terceira flecha” da Abenomics deve ser anunciada em setembro. Mas o
rascunho causou desapontamento, especialmente sobre as reformas da
Saúde e da Agricultura. Esse plano será exitoso? O governo japonês está se
esquecendo de medidas para acabar com a estagflação e colocar a
economia em um caminho positivo?
A Abenomics tem potencial de ser um sucesso se for bem executada. Como em algumas partes do mundo Ocidental, o problema não é de engenharia econômica. Os desafios foram bem identificados e há um alto consenso sobre os passos necessários. É uma questão de firmeza e de implementação.
Os economistas estão hesitantes em declarar o fim da recessão na Europa.
Do início de 2013 ao início de 2014, a economia cresceu só 1,0%, com taxa
de inflação bem baixa (0,5%), e há riscos de deflação e de fragilidade no
sistema bancário. O que está melhorando e o que pode ser lido como
ameaça na Europa?
A Europa superou uma crise financeira extremamente perigosa, que ameaçou a integridade da zona do euro. De fato, a região esteve à beira da fragmentação em meados de 2012, e isso foi brilhantemente contido pelas ações dramáticas tomadas pelo BCE, sob a liderança de Mário Draghi. O desafio agora é transformar a estabilidade financeira em ganhos econômicos duráveis e em criação de empregos. Isso requer ações nacionais e regionais. O contexto político, porém, não é suficientemente favorável para a redução do alto desemprego, alarmante entre os jovens.
A economia chinesa está crescendo menos do que o esperado.
Economistas criticam o ritmo lento das reformas anunciadas em novembro.
Qual sua avaliação? Qual será o impacto na economia mundial de um
eventual fracasso dessas reformas?
Concordo com os que acreditam que a economia chinesa está pousando em uma taxa de crescimento do Produto Interno Bruto entre 6,5% e 7,5%. Mas também concordo que as autoridades serão capazes de superar o problema do sistema bancário paralelo (shadow banks) sem maiores problemas. Esse resultado será bom para a economia mundial, dado o papel importante da China.
As projeções de crescimento da economia do Brasil foram revisadas para
baixo, as contas públicas fecharam com o maior déficit há dois meses, o
resultado da balança comercial têm gerado preocupação e a taxa de inflação
rompeu o teto da meta. A credibilidade do governo tem caído, e as eleições
presidenciais estão cada dia mais perto. Se a política econômica continuar a
mesma até outubro, que cenário teremos no mês da eleição? Quais seriam
as principais mudanças necessárias para colocar o Brasil de volta no trilho
do crescimento?
Depois de ter se recuperado bem dos problemas financeiros de 2002, registrando alto crescimento e notável redução do déficit fiscal, a economia brasileira estagnou. Nos últimos tempos, está abaixo do PIB potencial e da aspiração genuína de muitos brasileiros. O ambiente externo fluído explica parte desse desapontamento. Tem sido mais difícil para toda economia emergente operar em um mundo que sofreu o impacto das políticas monetárias experimentais dos bancos centrais da Europa, Japão e EUA. Mas também há razões domésticas. Em vez de empurrar a economia com políticas bem adaptadas às circunstâncias atuais do país, o governo prefere retomar políticas menos efetivas. Ao mesmo tempo, houve progresso insuficiente na segunda geração de reformas estruturais.
O sr. é otimista sobre a conclusão dos acordos das Parcerias Transatlântica e do Pacífico? Se ambos os acordos comerciais forem assinados, a Organização Mundial do Comércio não ficará mais fragilizada, e o mundo mais exposto a distorções comerciais?
Assim como outras peças de legislação econômica, ambos os acordos enfrentam a incerteza sobre sua aprovação pelo Congresso americano. Apesar dos esforços consideráveis do presidente Barack Obama, nada está garantido. Se for concluído e aprovado, será essencial a adoção desses acordos de maneira mundialmente inclusiva. O mais importante é que eles sirvam como um degrau, e não como substitutos, para a liberalização do comércio internacional. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.