economia

Donos de usina desrespeitam licenciamento

Sem aval do Ibama, os donos da Hidrelétrica de São Manoel, última grande usina leiloada pelo governo e em fase de construção na Amazônia, decidiram anunciar o enchimento do lago da usina, atropelando o processo de licenciamento ambiental do projeto e causando apreensão na população de Alta Floresta, na divisa entre Mato Grosso e Pará.

Com painéis instalados pelas ruas do município de 50 mil habitantes, a Empresa de Energia São Manoel (EESM), que pertence à chinesa Three Gorges, à portuguesa EDP e à estatal Furnas, do Grupo Eletrobrás, tratou de comunicar o “início da formação do reservatório”, com o “período de enchimento: agosto a outubro de 2017”. Nos anúncios, alertou ainda que pessoas procurassem a empresa, “caso encontrem algum animal na sua casa ou na propriedade que ofereça riscos”.

Ocorre que, para iniciar ou mesmo comunicar a formação do lago artificial que vai inundar 66 quilômetros quadrados da região, a concessionária tem de obter antes, e obrigatoriamente, a licença de operação da usina, autorização que é concedida pelo Ibama e que ainda não foi liberada pelo órgão federal.

Depois de ser procurado pela reportagem, o Ibama confirmou a irregularidade cometida pela EESM. Após ser informado sobre o caso, o órgão ambiental declarou que vai notificar a empresa para que retire as informações e esclareça a real situação para a população local e as comunidades indígenas que vivem no entorno do Rio Teles Pires, onde a usina está sendo erguida. Procurada pela reportagem, a EESM não se manifestou sobre o assunto até a publicação deste texto.

O Ibama declarou que a empresa só poderá dar andamento à divulgação e início efetivo de enchimento do lago quando tiver aprovado seu “plano de comunicação” sobre a operação, o qual será autorizado simultaneamente à licença de operação da usina. A questão é saber quando essa licença será autorizada e em que condições.

O Estado apurou que, para a Fundação Nacional do Índio (Funai), a EESM descumpriu uma série de compromissos que havia assumido com os povos indígenas da região, como parte do processo de licenciamento do projeto. Depois de analisarem os programas de redução de impacto associados ao projeto, técnicos da Funai concluíram que, hoje, não há condições de dar sinal verde para que a hidrelétrica encha seu reservatório e comece a gerar energia. Um parecer técnico da fundação já está pronto, com a conclusão de que “não há condições de atestar a conformidade” do projeto.

Por lei, a Funai não tem poder de barrar a emissão da licença de operação da usina. Essa decisão cabe exclusivamente ao Ibama, que analisa as conclusões da fundação sobre os programas indígenas e, a partir daí, decide pela autorização ou não da licença. Na prática, porém, o Ibama sempre procura se ater ao que decidiu a Funai, sob risco de assumir responsabilidades por problemas que venham a surgir depois, caso decida contrariar as conclusões da fundação.

A reportagem apurou que, nas últimas semanas, representantes da EESM têm se reunido regularmente com o presidente da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas, para tratar do assunto. Apesar de o parecer técnico da Funai reprovar a emissão da licença de São Manoel neste momento, por conta de descumprimento de compromissos com os índios da região, o presidente da Funai pode atenuar essa conclusão técnica e enviar um ofício ao Ibama com autorização para que o tema avance.

Histórico

As polêmicas sobre os impactos aos indígenas sempre estiveram presentes no histórico de São Manoel, usina que vai custar R$ 2 bilhões, após três anos em processo de licenciamento. À época, a própria Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal responsável pelos estudos da usina, admitiu que São Manoel traria uma série de impactos aos povos indígenas da região. Mesmo assim, o governo tomou a decisão política de avançar com o projeto.

No mês passado, o canteiro de obras da usina chegou a ser ocupado por um grupo de mais de 200 indígenas, em protesto por conta de uma série de reivindicações, entre elas a devolução de urnas funerárias de parentes enterrados há anos na região que será afetada pela usina.

“Com outras três usinas erguidas no Teles Pires, a barragem de São Manoel está provocando sérias consequências para os povos que vivem rio abaixo, especialmente em termos de qualidade da água, diminuição da pesca e destruição de lugares sagrados”, diz Brent Millikan, geógrafo e diretor do Programa Amazônia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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