O dólar encerrou setembro com a maior valorização mensal deste ano, de 25%, mas com um aparente acordo entre o Banco Central e o mercado justamente no dia em que se esperava que a moeda registrasse históricos R$ 4. Ontem, a moeda norte-americana fechou em queda de 3,09%, a R$ 3,76 para venda e R$ 3,75 para compra, e compensou a alta da última sexta-feira – quando encerrou a R$ 3,88 e registrou o recorde da era do real. Para tanto, a autoridade monetária jogou pesado e vendeu entre US$ 300 milhões e US$ 350 milhões ao mercado – quantia alta, mas dentro dos planos das duas partes. A bolsa operou em baixa e fechou em -1,07%, com 8.622 pontos e movimento financeiro de R$ 454 milhões.
Durante os negócios da manhã, o dólar chegou a ser vendido pela cotação histórica de R$ 3,967, pressionado pelo vencimento de uma dívida cambial de US$ 1,25 bilhão hoje, pelo vencimento de contratos futuros de câmbio na BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros) e pelo resultado da mais recente pesquisa do Datafolha sobre a intenção de voto na eleição presidencial de domingo, na qual o petista Luiz Inácio Lula da Silva apareceu a um ponto percentual de vencer no primeiro turno.
O BC agiu rápido, vendendo o que à primeira vista parece um montante muito superior ao de suas intervenções usuais. Mas não foi – sempre pelos cálculos do mercado, já que a autoridade monetária confirmou a venda mas não se manifestou sobre a quantia.
De tudo que foi vendido ontem, US$ 200 milhões já estavam “programados” desde a última quinta-feira, inclusive foram anunciados ao mercado. Não se trata de dinheiro novo, mas de linhas externas (transação em que o BC vende dólares ao mercado por um prazo determinado e depois os recompra) abertas em julho e agosto, que vencem na quarta-feira, que teriam que ser devolvidas ao BC e agora não serão mais.
Na última quinta-feira, o BC anunciou que “esticaria” US$ 150 milhões, do total de US$ 350 milhões que teria que receber nesta quarta, com novas linhas leiloadas na sexta. Os outros US$ 200 milhões seriam invariavelmente rolados ontem, mas ficou em aberto se o BC optaria por linhas ou pela venda à vista, sem compromisso de recompra. Optou por esta última, o que agradou o mercado.
Pressão
O valor do dólar ontem – ou melhor, a chamada Ptax, taxa média compilada pelo BC entre as instituições financeiras de acordo com o volume do dia – será a cotação usada para calcular o valor de liquidação dos contratos de dólar futuro para outubro e da dívida cambial de hoje, da qual o BC rolou 21% (pretendia rolar 70%, mas não houve interesse do mercado).
Em outras palavras: o dólar de ontem determina o tamanho do lucro de quem comprou contratos de câmbio na BM&F e papéis da dívida cambial do governo apostando na alta da moeda. Daí a pressão sobre a cotação – quanto maior ela for, maior o lucro.
O mercado também se mostra pouco disposto a aceitar papéis da dívida do governo, já que não se sabe ainda ao certo o que acontecerá com a política econômica após a transição presidencial, ainda mais quando fica cada vez mais provável que essa transição implique na ascensão de um partido que se opõe ao atual governo.
Analistas frisam, entretanto, que a vitória de Lula já está agora praticamente embutida nas cotações.
“Ficou claro que mesmo que ele não ganhe agora [no primeiro turno, domingo, o Lula ganha de qualquer um no segundo”, afirmou Mario Battistel, diretor de câmbio da corretora Novação. “E o mercado já está se preparando.”
A não-rolagem dos títulos, em última análise, tem impacto positivo, ainda mais com a especulação de hoje domada. Sem rolar esses papéis, o BC diminui sua exposição ao câmbio volátil, passando a ter menos dívida indexada ao dólar – um bom negócio em época de turbulência internacional e incertezas domésticas.