A escalada do dólar durante o terceiro trimestre complica a situação das companhias com dívidas em moeda estrangeira, que enfrentarão, em momento de escassez de crédito, uma expressiva elevação das dívidas. Sem considerar qualquer novo empréstimo desde junho, o endividamento em dólar das companhias de capital aberto subirá 30% em função apenas da variação cambial. Outro efeito será o impacto nos indicadores de alavancagem dessas empresas, visto que a geração de caixa vem sendo derrubada pela queda de demanda em diferentes setores da economia brasileira. A menor geração de caixa pode colocar em xeque os covenants, ou seja, as cláusulas contratuais dos títulos de dívida que protegem o interesse do credor e estabelecem condições que não devem ser descumpridas.

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O caso mais emblemático, em função do tamanho do endividamento e do porte da empresa, é a Petrobras. A estatal fechou o segundo trimestre com dívida total de R$ 415,5 bilhões, dos quais R$ 306 bilhões atrelados à moeda norte-americana. A conta, entretanto, era baseada em um dólar a R$ 3,10. Considerando a ptax desta semana, a variação cambial desde então chega a 30,3%, a maior variação trimestral desde 2002, segundo levantamento da Economatica. Por compromissos estabelecidos em contratos, a alavancagem da estatal, que fechou junho em 4,64 vezes a relação entre dívida líquida e Ebitda, não pode ultrapassar 5,5 vezes.

Excluindo empresas como Petrobras e Vale, estudo da Economática, feito a pedido do Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, mostra que a dívida de 109 empresas de capital aberto será acrescida em R$ 53 bilhões no comparativo entre o terceiro e o segundo trimestre. Isoladamente, a dívida da Petrobras sobe R$ 104 bi no mesmo período. Os comparativos podem subir ainda mais com a Ptax do final do mês de setembro.

O professor de Mercado de Capitais e de Finanças da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), Marcelo Cambria, destaca que as empresas com dívida em dólar e que não apresentarem ganho de caixa podem ter problemas de liquidez. “E não ter mais geração de caixa em um momento de retração é muito provável”.

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A expansão do endividamento da Petrobras, situação que se repete entre empresas que possuem dívidas contraídas em dólar, ocorre em um momento em que a captação de recursos tende a ser dificultada pelo momento turbulento na economia brasileira e pela decisão da Standard & Poor’s (S&P) de rebaixar o rating brasileiro e de um conjunto de empresas para o grau especulativo.

No caso da Petrobras, a situação é agravada pela dificuldade encontrada pela estatal em conciliar crescimento e resultados operacionais. Na última década, desde 2006, a dívida total da Petrobras saltou 854,8% – utilizando dados de fechamento do segundo trimestre. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) da estatal no primeiro semestre, por outro lado, atingiu R$ 41,3 bilhões, aumento de 48,9% em relação ao mesmo período de 2006.

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Pela primeira vez, no período analisado, a capacidade de geração de caixa da estatal, medida pelo Ebitda, ficou abaixo da dívida de curto prazo ao final do semestre. Em junho, a dívida de curto prazo somava R$ 44,6 bilhões.

A trajetória de ascensão da alavancagem se tornou uma preocupação crescente no mercado ao longo dos últimos trimestres, em especial em relação a empresas como Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Usiminas e Marfrig, entre outros exemplos.

Na siderúrgica mineira, antes mesmo da nova alta da moeda norte-americana, os covenants já estavam entre os principais pontos de atenção. Já no segundo trimestre, a alavancagem da companhia alcançou 3,7 vezes, valor acima do permitido nas cláusulas, o que obrigou a empresa a negociar com os credores. O waiver, ou perdão por parte dos credores, traz um alívio para a empresa, embora represente um custo intrínseco. Outra empresa que negocia com credores em função dos covenants é a Light.

“A manutenção das receitas em real com endividamento em dólar, que por tanto tempo foi uma medida ‘esperta’ daqueles com acesso a capital externo com juros internacionais, mostrou-se uma armadilha sem saída frente ao completo descontrole político e macroeconômico brasileiro. O problema mudou de lugar. Saiu da produção para a tesouraria”, afirma o chefe de Mercado de Capitais da Eleven Financial Research, Adeodato Volpi Netto.

Apesar do efeito direto na dívida das siderúrgicas, o real mais desvalorizado em relação ao dólar era apontado como possível saída para a fraca demanda no mercado interno. Além disso, a escalada do dólar trouxe ainda uma chance de ajuste de preços do aço, movimento já anunciado por algumas siderúrgicas, mas que ainda precisa consolidar sua implementação. Entre as fabricantes do aço, a Gerdau, com maior exposição no mercado externo devido a sua diversificação regional, é a melhor posicionada.

A disparada dos custos, com o atual patamar de câmbio, também tirou das mãos de muitas empresas as condições de elaborar um planejamento adequado. Nesse contexto se insere, por exemplo, a Gol. Na companhia aérea, o descasamento de moeda no balanço deverá se tornar ainda mais evidente no terceiro trimestre, visto que mais de 50% das despesas são contabilizadas em dólar, e cerca de 70% da dívida é atrelada à moeda norte-americana, ao passo que apenas 10% das receitas são vinculadas ao dólar.

As empresas afetadas com dólar poderiam aderir à contabilidade de hedge, como fez a Petrobras, ou a instrumentos financeiros convencionais de hedge, mas mesmo nesse caso a variação cambial se tornou um entrave. “A questão é que ninguém esperava uma subida do dólar para R$ 4,00 nesse tempo”, afirma o coordenador do Grupo de Estudos em Direito e Contabilidade da Escola de Direito da FGV-SP, Edison Fernandes. “As empresas buscaram empréstimo em dólar para evitar os juros altos do Brasil, mas essas dívidas de longo prazo têm amortização do principal”, complementa Fernandes, salientando um dos efeitos provocados pela atual disparada do dólar.

Entretanto, para o analista da corretora Rico, Roberto Indech, é muito cedo em falar em calotes por parte das companhias. “Apesar do impacto negativo da alta do dólar nas dívidas das empresas, é complicado falar em default nesse momento”, disse.

Ele citou, por exemplo, que as empresas expandiram e diversificaram suas operações ante períodos de maior valorização do dólar como no primeiro trimestre de 1999 e no terceiro trimestre de 2002, quando a moeda norte-americana valorizou 42,47% e 36,93%, respectivamente. “Apesar de ainda vivermos uma situação ruim fiscal e política, o Brasil hoje tem uma economia mais saudável do que naquela época, principalmente em termos de reservas cambiais”, ressalta.

Mais receita

A valorização do dólar ante o real não é negativo para todas as empresas brasileiras. A fabricante de celulose Fibria e a Suzano Papel e Celulose, por exemplo, têm presença relevante no mercado externo e por isso comemoram o dólar mais alto. O efeito cambial sobre os empréstimos em dólar, para essas empresas, é menos relevante do que o aumento da receita e consequente crescimento na geração de caixa.

Cambria, da Fipecafi, lembra que a Fibria possui hedge natural. Com cerca de 90% da receita em dólar, e apenas uma parcela da despesa ligada à moeda norte-americana, os ganhos da companhia se tornam notórios nesse contexto. Indech, da Rico, também lembra da JBS, que possui 84% da receita exposta ao dólar, e pode ter resultados melhores no terceiro trimestre apesar de seu alto endividamento.