Uma boa formação, curso de inglês e de informática básica há algum tempo já não são diferencial no currículo de um estagiário que tenta uma vaga em uma grande empresa.
Na hora da contratação, verifica-se uma mudança na busca do perfil do estagiário pelas empresas. Muito além do conhecimento técnico, o que pode fazer a diferença hoje na contratação de um estagiário são as suas competências comportamentais e a disposição para aprender, segundo a coordenadora de Negócios do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) Estágio no Paraná, Emmanuele Spaine. Só no IEL, quase 8% do total de vagas ofertadas por empresas paranaenses em 2007 foram canceladas por não haver estudantes que se enquadrassem no perfil exigido.
Tomada de decisão e análise crítica estão tendo um peso maior do que conhecimentos teóricos sobre a área específica. ?O diferencial está na competência comportamental, que são valores que se vai desenvolvendo ao longo da vida, que fogem à capacitação da universidade. Isso sem contar que a diferença entre o que a empresa quer não é o que a universidade forma é um abismo, hoje?, diz ela.
A tão sonhada efetivação em um cargo profissional logo após o término da faculdade, a partir do início em um estágio, muitas vezes depende apenas do desempenho do estudante. Para conseguir um posto lá na frente, demonstrar bom desempenho logo de início é recomendado. ?O jovem que hoje começa a trabalhar com 16 anos, muitas vezes não leva a sério a oportunidade que está tendo. Há alguns anos, tinha-se tempo para crescer, que variava de seis meses a um ano. Hoje a demanda nas empresas está muito grande e cada pessoa que ocupa um posto de trabalho precisa dar o máximo de si, porque tem que dar uma contrapartida de produtividade da empresa?. Segundo ela, a chance de contratação para um estagiário que se desenvolva como a empresa espera, varia de 60 a 70%.
A bolsa média oferecida a estagiários de empresas de grande porte varia de R$ 500 a R$ 1.500, para os quais é exigida a postura de um profissional, e não mais a de um estudante. O conselho é de Emmanuele. ?Atitudes e comportamentos devem ser com o que o estagiário quer ser, e não com o que ele é hoje. Se o comportamento for de um estagiário, o estudante será sempre um estagiário?, exemplificou.
No Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), a média de atendimentos a estudantes que passam por avaliação no setor de entrevista foi, no mês de março, de 700 por dia. A maioria precisa superar os cursos muito teóricos ofertados pelas faculdades, segundo o presidente do CIEE, Luiz Nicolau Mäder Sunyé. ?A qualidade do ensino no Brasil é muito variável. Temos instituições de ensino que podem ser comparadas às melhores do mundo e, por outro lado, outras que deixam muito a desejar. Mas o destaque do estudante depende do seu próprio interesse, podendo superar as deficiências da escola?.
Empresa complementa aprendizado do estagiário
Exigir competência e qualidades tem, muitas vezes, o objetivo maior de transformar essa mão-de-obra em profissionais do quadro da empresa, quando acabarem o curso. Um exemplo disso é a empresa IVM Automotive, que aproveita cerca de 90% dos estagiários e recém-formados.
A iniciativa é obtida por meio de um programa permanente com o objetivo de ?lapidar? a mão-de-obra a médio e longo prazos. ?São oferecidos treinamentos, incluindo alguns específicos, como em determinados sistemas veiculares e softwares de aplicação de engenharia. A intenção é a absorção de todos os engenheiros e técnicos ao final de cada ciclo do programa?, diz o diretor-executivo, Renato Perrota.
Um dos problemas típicos apontados é a falta da percepção da importância no cumprimento de prazos. ?Em relação ao preparo desses estagiários, posso dizer que temos a compreensão exata de suas limitações, por isso tentamos inserir novos conceitos desde o primeiro dia?, acrescenta.
Em relação às orientações passadas aos estagiários, o destaque fica para a criação de coisas novas. ?Nossa orientação é que todos percebam que desenvolvemos requisitos, e não peças ou sistemas. Estes são apenas resultado do que projetamos. Sem essa condição, engenheiros e projetistas não vão inovar, apenas conceberão ?réplicas?, quem sabe melhoradas, mas ainda ?réplicas??, finaliza.
Medo pode ser confundido com despreparo
Desespero e angústia em conseguir logo um bom estágio atingem os adolescentes ainda no Ensino Médio, o que pode fazer com que os jovens acabem pulando etapas do seu desenvolvimento. A pressa em aprender e em aplicar logo na prática os conhecimentos adquiridos podem acabar sendo refletidos na falta de postura crítica apontada pelas empresas, segundo análise da doutora em psicologia escolar e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Luciana Valore.
?Talvez esta falta de posicionamento apontada pelas empresas seja somente medo do estudante de, por opiniões contrárias, ser mandado embora. Nossas empresas andam muito equivocadas em pensar que a formação deve ser só da escola?, avalia. Segundo ela, o perfil questionador ainda é visto com desconfiança nas empresas.
Outro fator lembrado pela psicóloga é a grande expansão do ensino superior. ?Temos hoje muitos cursos de graduação que são apenas fábrica de diplomas, com péssima qualidade. Não é por acaso que quando o estudante chega na empresa não consegue se posicionar?, diz.
A limitação das empresas em apenas designar tarefas aos estagiários, sem interação com a universidade e sem dizer claramente o que esperam, também é criticada. ?Por parte do empresariado, é muito cômodo querer que o aluno chegue como um superprofissional, sem se preocupar que estão lidando com profissionais ainda em formação e sem a percepção de que a empresa também forma?, alerta. Para ela, o estagiário pode acabar sem ter tempo para estudar. ?É como tirar um bebê da barriga da mãe antes do tempo?, completa.