Desgraça pouca é bobagem. O velho dito popular cai como uma luva em tempos de ajuste fiscal, com mais um capítulo no Congresso Nacional: a votação do projeto de lei 863/2015, que reduz a desoneração da folha de pagamento, iniciada em 2011 e que hoje atinge 56 setores da economia. Em termos práticos, a aprovação pode agravar o processo de demissões em todo o país e, segundo a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), determinar o “aniquilamento” de alguns negócios.
A expressão vem do presidente da Fiep, Edson Campagnolo. O Departamento Econômico da Fiep apontou que as mudanças devem representar R$ 756,6 milhões a mais de repasses à Previdência por parte das empresas paranaenses que integram seis setores beneficiados pela desoneração.
Essa projeção leva em conta a opção menos impactante, já que as empresas poderão voltar ao modelo antigo de Contribuição Previdenciária Patronal (CPP), arrecadando o equivalente a 20% da folha de pagamento. Quem seguir contribuindo sobre a receita bruta das vendas (abatendo exportações) passará de 1% pra 2,5% ou de 2% pra 4,5%, dependendo da atividade.
“Na situação em que alguns setores se encontram, como empresas do ramo de alimentos e vestuários, essa mudança vai aniquilar com alguns negócios que já sofreram com outros aumentos como energia e ICMS e gerar uma onda de desemprego generalizada”, aponta. “Pra cobrir o rombo nas contas, os governantes lançam mão do velho recurso de recorrer ao contribuinte, ao invés de reduzir os próprios gastos”.
O projeto estava na pauta de ontem da Câmara, mas não havia sido votado até o fechamento desta edição.
À beira de um desastre
Pro empresário e presidente do Sinditêxtil, Nelson Furman (foto), os efeitos da mudança na contribuição previdenciária patronal serão mais desastrosos pro Paraná. “O estado aumentou de 12% para 18% o ICMS no início do ano e mesmo fixando em 3% pro setor de vestuário, comprometeu a competitividade do setor nas vendas fora do Paraná. Se o governo federal vier com mais essa mudança, vai provocar o estrangulamento de pelo menos 10% das 40 grandes empresas que formam o polo têxtil paranaense e o resultado será fechamento ou mudança pra estados com incentivos fiscais”, avalia.
A empresa de Furman, a New Jeans, localizada no Xaxim, está há 21 anos no mercado de beneficiamentos do tecido. Mesmo não sendo afetada diretamente com essa decisão sobre a contribuição previdenciária, sente o impacto de todas essas mudanças. “De 30 mil lavagens de tecidos por mês, a empresa está fazendo 15 mil. Ou seja, estou com máquinas paradas por conta do recuo da economia. Não existe como preservar empregos com o aumento da energia e impostos”, conclui.
Vagas fechadas
No comércio, pelo acompanhamento da Federação do Comércio do Paraná (Fecomércio-PR), a redução de vagas é perceptível. Enquanto em janeiro eram 17.744 trabalhadores empregados no comércio em Curitiba, em maio esse número baixou pra 15.961 pessoas. “O comércio vem sentindo os efeitos da redução do poder de compra da sociedade, o faturamento de janeiro a junho caiu mais de 30%”, aponta o coordenador da Câmara de Trabalho e Previdência da Associação Comercial do Paraná, Rodrigo Fortunato Goulart.
Rodrigo acredita que o impacto em Curitiba dessa mudança seja menor, já que 70% dos estabelecimentos se enquadram em micro e pequenas empresas e a maioria não deixou o modelo de desconto de 20% sobre a folha de pagamentos. “Mas criticamos a mudança porque se de um lado o governo está mexendo nisso pra dimi,nuir o déficit da Previdência, está abrindo um novo rombo com a mudança no cálculo da aposentadoria”, compara.
Desoneração sem efeito
O economista e supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudo Socioeconômicos (Dieese) no Paraná, Sandro Silva, pondera que a política de desoneração iniciada em 2011 visava estimular investimentos do setor produtivo, aumento da competitividade e preservação dos empregos. “Em 2014, o governo deixou de arrecadar mais de R$ 21 bilhões com a desoneração da folha de pagamentos e a contraparte dos investidores não veio, não houve aumento nos investimentos do setor produtivo, nem redução dos preços, nem a preservação dos postos de trabalho.
Esse incentivo não teve o efeito esperado e comprometeu a arrecadação previdenciária”, resume.
De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o mês de maio foi o pior nos últimos 23 anos pro Paraná, com o fechamento de 1.361 postos de trabalho. Segundo o Dieese, uma empresa que contrate um trabalhador com o salário de R$ 1 mil acaba tendo um gasto adicional de R$ 308,90 (ou 31%) com contribuições sociais sobre a folha de pagamento. Com outros beneficios na folha de pagamento, o empregado pode custar até 100% acima do seu salário à empresa.
É o seguinte!
Que Dona Dilma está na esquerda dos empresários não é novidade. Agora, muito mais, já que a maioria acha a mudança nas regras da desoneração uma traição. Muitos empresários terão que rever seus orçamentos. E o pior: é mais um empurrão pra motivar futuras demissões, o que é péssimo pra patrões e empregados. Bem que o ajuste fiscal poderia começar por economia nos gastos do governo.
Setor Empregos Contribuição atual Nova contribuição* Aumento
Alimentos 172 mil R$ 388,2 mi R$ 706,9 mi R$ 318,7 mi
Veículos 47 mil R$ 335,6 mi R$ 415,6 mi R$ 80 mi
Móveis 40 mil R$ 57,2 mi R$ 127,5 mi R$ 70,3 mi
Têxteis** 93 mil R$ 61,6 mi R$ 150,1 mi R$ 88,5 mi
Máquinas 32 mil R$ 84 mi R$ 212 mi R$ 128 mi
Metal 40 mil R$ 47,3 mi R$ 118,3 mi R$ 71 mi
*Nova contribuição baseada no valor menos impactante para cada setor
**Inclui têxteis, vestuário e couro
Fonte: Fiep-PR.