Aqui se vende tradição. Pelo menos é isso que se conclui em um breve retrospecto das transações ocorridas nos últimos 15 anos no Estado. Focando apenas nas empresas que por muito tempo representaram e projetaram a produção paranaense no Brasil e no exterior, mais de 30 já mudaram de mãos, principalmente, por meio de processos de fusões e aquisições. Tais transações tomaram conta do mundo dos negócios e, a cada ano, ganham mais adeptos no Brasil, a ponto das consultorias especializadas nisso apresentarem faturamentos bilionários.

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O arremate mais recente de empresas paranaenses ocorreu na semana passada, quando se confirmou que a Café Damasco foi adquirida pela empresa norte-americana Sara Lee Corp e a Viação Garcia passou para o empresário paulista Mário Luft.

Aquisições feitas por empresas nacionais foram exceções no processo deflagrado ainda nos anos 90, com a abertura da economia. A maioria dos negócios realizados e os que estão por vir envolvem fortes grupos estrangeiros, oriundos em grande parte dos Estados Unidos e de países europeus. Anunciando mais empregos e a multiplicação da chamada Receita Operacional Líquida (ROL) das organizações, tais grupos querem como contrapartida nada menos do que uma fatia bem generosa do mercado consumidor de um país emergente, de proporções continentais e que, após 2008, tornou-se muito atraente para aqueles que não conseguem manter seus níveis de vendas nas nações seriamente afetadas pela crise mundial.

“O processo em si é ruinoso. Afinal, todas essas empresas desnacionalizadas atendem apenas ao mercado interno. Isso significa que irão faturar em reais e exportar o lucro para suas matrizes no estrangeiro em dólar, afetando o balanço de pagamentos do País. O capital estrangeiro é bem vindo e necessário, mas apenas e tão somente para setores dedicados à exportação. Essa é uma das explicações do atual sucesso econômico chinês: atraíram investimentos estrangeiros apenas para incrementar suas exportações, jamais para outros explorarem ou dominarem o mercado interno”, observa o pesquisador e professor da Universidade Federal do Paraná, Dennison de Oliveira. Autor de muitos livros que abordam políticas públicas e a história recente do Paraná, em 2002, o professor traçou de que modo a economia local seria afetada pela vinda das multinacionais do setor automobilístico no livro Urbanização e industrialização do Paraná. “É todo um contexto histórico marcado por um neoliberalismo retórico pautado na ideia fantasiosa do Estado Mínimo, mas que, na prática, carregou recursos públicos maciços para as montadoras estrangeiras de automóveis (cerca de R$ 1 bilhão) ao mesmo tempo em que tradicionais empresas paranaenses estavam sendo adquiridas pelo capital estrangeiro”.

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Monopólio

O Brasil é uma das economias mais concentradas do mundo e a desnacionalização da economia apenas reforça essa tendência. “Caminhamos para termos um único fabricante de cerveja, de chocolate, de lâminas de barbear, de alimentos congelados, de refrigerantes, de café, de cimento, etc”, prevê Oliveira. “Nosso setor financeiro é o mais concentrado do mundo, no qual os nove maiores bancos dividem entre si a quase totalidade dos depósitos bancários. As sete maiores construtoras do País dividem entre si quase todas obras públicas”, alerta.

Mudança de comando

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Uma consequência direta da mudança de mãos das empresas do Estado é o perfil dos novos administradores. Se antes quem respondia pelas organizações era o fundador do negócio ou as gerações que o sucederam, agora são profissionais contratados com elevados salários para ocupar as principais funções administrativas. “Hoje, se o governador do Paraná quiser falar com o presidente de uma empresa que pertencia ao nosso Estado, precisa viajar para fora do País, pois aqui, só ficam os gerentes administrativos. É uma perda muito grande, pois o Paraná não tem mais os interlocutores locais para a montagem de estratégias de desenvolvimento compatíveis com os interesses da sociedade‘, lamenta o economista e coordenador do curso de Economia da FAE Business School, Gilmar, Mendes Lourenço. Ele, assim como o professor da UFPR Dennison de Oliveira, também acompanha o processo de ‘liquidação‘ das empresas do Estado. Em sua obra Economia Paranaense: fatores de mudanças e entraves ao desenvolvimento, de 2008, ele relacionou mais de 30 empresas tradicionais que, em menos de duas décadas, foram adquiridas por grupos estrangeiros. ‘O preço a se pagar é a destruição das cadeias produtivas historicamente montadas pelas empresas ícones do capitalismo paranaense. Os novos donos têm outros compromissos, com outros fornecedores, outros interesses políticos e circuitos de circulação e produção que são diferentes‘, acrescenta Oliveira.
Segundo o professor da UFPR, um dos exemplos mais gritantes dos reflexos dessa situação sobre toda a população foi o caso da compra dos supermercados Mercadorama, primeiramente pelo grupos português Sonae e, mais recentemente, pelo Wal-Mart. ‘Os novos donos desconsideraram os fornecedores locais, em prol de fontes de abastecimento localizadas fora do Estado, a maioria em São Paulo. Resultado: muitos produtores locais de hortifrutigranjeiros e alimentícios industrializados ficaram sem ter para quem fornecer. E os consumidores ficaram sem acesso aos produtos que eles vendiam‘, destaca. (MM)

Aquisição x diversificação

Na avaliação do economista Gilmar Lourenço, a desnacionalização é fruto da combinação entre a necessidade de as empresas ganharem escala produtiva e financeira, a fim de enfrentarem os desafios impostos pela globalização. ‘A neutralização desse processo depende de ações mais incisivas do Estado para preservar marcas locais responsáveis pela manutenção de um ambiente de negócios menos suscetível às decisões tomadas fora do território brasileiro e estadual‘, recomenda.

Como alternativa à falta de uma ação mais efetiva na esfera política, é a diversificação do negócio ou a atuação em franjas de mercado. ‘O Grupo J. Malucelli é um dos grandes exemplos de como se pode crescer ao se diversificar o leque de atuação. No caso de ocupar franjas de mercado, um bom exemplo é a rede de supermercados Festval que enfrenta à concorrência com a diferenciação dos produtos e serviços ofertados‘.

Na análise do sócio sênior da consultora de fusões e aquisições Open Point Partners (OPPBrasil), Adeodato Volpi Netto, o momento atual deve ser aproveitado. ‘Quem não fizer vai perder dinheiro, mas quem acompanhar o que o Brasil está passando vai lucrar muito. Sei de transações que renderam mais de 3.000 % de ganhos sobre o patrimônio negociado‘, conta Netto. ‘A nossa empresa gere um volume acima de R$ 1 bilhão em transações e todos os negócios envolvem empresas familiares. Embora a expectativa é de que nos próximos cinco anos isso aumente muito, ainda sentimos um comportamento mais reativo do que pró-ativo do empresariado daqui com relação as oportunidades‘, afirma.

Os dados da Junta Comercial do Paraná (Jucepar) reforçam a tendência. Até outubro deste ano, foram confirmadas no Estado mais de 130 mil alterações contratuais. ‘É nesse grupo que estão as empresas submetidas às fusões e aquisições. Como diariamente realizamos esses processos, posso afirmar que isso está realmente acontecendo, mas considero um movimento perfeitamente dentro da normalidade em um mundo globalizado‘, contextualiza o secretário-geral da Jucepar, Sebastião Motta. (MM)

Breve retrospecto de algumas transações

* Na segunda metade da década de 90, a Refripar, do empresário Sérgio Prosdócimo, quinta maior empresa do Estado do Paraná, com uma Receita Operacional Líquida (ROL) anual em torno de R$ 304 milhões, foi adquirida pela sueca Electrolux;

* A Impressora Paranaense, da família Schrappe, referência no setor de embalagens industriais, foi comprada pela norte-americana Dixie-Toga;

* Matte Leão, fundada em 1901, foi arrematada pela Coca-Cola em 2007. Dados do balanço de 2006 comprova,vam o bom posicionamento da empresa no mercado e um grande potencial de crescimento. Seu faturamento aumentou 18,2% em comparação com o ano de 2005, chegando a R$ 158,9 milhões;

* No comércio, a Corujão Veículos, que pertencia a José Carlos Gomes de Carvalho, passou ao controle da Audi alemã. Na época, a Corujão era a quarta maior concessionária de automóveis do Estado, com uma ROL de R$ 53 milhões.

De volta ao mercado

Em 2007, uma das marcas de maior carisma no Estado, a Matte Leão – fundada em 1901 – passou para a Coca-Cola Brasil, que incorporou, além dos produtos, as três unidades – localizadas em Curitiba e Fernandes Pinheiro, no Paraná, e no Rio de Janeiro. ‘Ingressamos em uma fase que para ganhar mais escala e competitividade, teríamos que levantar um capital muito alto para qualquer empresário brasileiro, uma vez que o País não oferece a mesma capacidade de prospecção de outras nações. Foi então que buscamos uma solução que unisse visão estratégica do negócio ao equilíbrio dos interesses familiares‘, recorda o economista e herdeiro da Leão Júnior S.A., Antonio Carlos Leão. ‘É um novo ciclo no Paraná, a exemplo de tantos outros que marcaram toda a nossa história. No que tange essa nova Curitiba, mais cosmopolita, é inexorável essa mudança‘, comenta.

Contudo, há dois anos, Leão, que foi por mais de 15 anos vice-presidente comercial da Matte Leão, voltou para o setor de alimentos com a abertura da empresa New Foods, com sede em Pinhais. A empresa segue o conceito de criar linhas ainda mais elaboradas no que se refere à nutrição rápida e saudável. ‘Nossos produtos vão de temperos crocantes para saladas a discos que juntam o melhor de um cookie com uma barra de cereal. Todos eles foram desenvolvidos sob os pilares da alimentação saudável, prática e divertida. E estão sendo comercializados em boa parte do Estado, principalmente, nas redes supermercadistas paranaenses‘. (MM)