A demanda fraca por automóveis pode atrapalhar o governo na tentativa de destravar o crédito às famílias para aquisição de veículos, uma estratégia para socorrer as montadoras, que amargam retração na produção e nas vendas.

continua após a publicidade

Um quesito da Sondagem do Consumidor de abril, apurado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que a intenção de consumo de automóveis está próxima da mínima histórica, com mais de 92% dos consumidores dizendo que não pretendem comprar carros nos próximos meses. Outros 6,8% afirmam que vão adquirir o bem.

O indicador aponta 14,7 pontos em abril, o menor para o mês desde 2010 e pouco mais do que os 13,8 pontos atingidos em março de 2007, o menor patamar já observado na série, iniciada em 2005. O pico foi 38,9 pontos em setembro de 2005.

O dado corrobora a visão de especialistas de que o problema do setor não está na oferta de crédito, mas na demanda. “A intenção de compra de bens duráveis em geral depende não só de crédito, mas também de um ambiente econômico favorável, além de uma situação financeira mais confortável”, diz a economista Viviane Seda, responsável pela sondagem da FGV.

continua após a publicidade

O argumento é contrário ao que as montadoras têm defendido, de que o crédito está travado as vendas. Elas pleiteiam condições mais favoráveis para destravar os financiamentos ao consumidor, por meio da redução do valor dado como entrada e da criação de um fundo garantidor de crédito, com aportes das instituições financeiras. O governo também pretende flexibilizar a exigência de provisão dos bancos financiadores.

Ao longo de 2013, segundo Viviane, o consumidor ficou mais cauteloso, uma reação a fatores como alta dos juros, incerteza quanto ao futuro da economia e do emprego, aceleração da inflação e maior endividamento. Tal comportamento vem se estendendo até este ano, com o adicional da recomposição parcial do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que deixou os carros mais caros.

continua após a publicidade

Como consequência, as vendas de veículos caíram 2,1% no primeiro trimestre ante igual período de 2013, enquanto a produção, prejudicada também por exportações, despencou 8,4%, segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

Ressaca

Desde abril de 2013, o Banco Central elevou a taxa básica de juros, Selic, de 7,25% para 11% ao ano. O endividamento atingiu 62,3% das famílias em abril, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). “Toda medida é sempre bem-vinda, e (a facilitação do crédito) teria um efeito, sem dúvida. Mas não vai ser muito forte, porque o crédito está mais caro, e o endividamento é elevado”, avalia o economista da CNC, Bruno Fernandes.

Além disso, a ressaca do bom desempenho de 2012, quando a venda atingiu recorde de 3,8 milhões de veículos, reduz o ímpeto de compra. “Existe um ciclo de consumo. Grande parte das pessoas que comprou carro neste período não vai adquirir outro”, diz Fernandes.

O economista Rodrigo Baggi, da Tendências Consultoria, lembra que, passado o pico de inadimplência em 2012, a oferta de crédito melhorou junto com a percepção de risco menor. “As condições funcionariam se a restrição fosse de crédito. Mas, hoje, são do lado da demanda”, reforça Baggi. “Pode ser um tiro n’água, pode não dar em nada, ou em uma melhora marginal.”

A redução do IPI também ajudou a antecipar a compra, lembra a economista Thais Zara, da Rosenberg & Associados. “É claro que, sendo menos seletivo, amplia o consumo. Mas não sei até que ponto teremos expansão significativa”. Ela lembra ainda que, diante do cenário econômico, os bancos privados podem se mostrar menos propensos a expandir o crédito.

O presidente da Anfavea, Luiz Moan, estima que pelo menos metade dos pedidos de financiamento sejam rejeitados pelos bancos. “Sem dúvida o endividamento prejudica a concessão de crédito, mas acreditamos que o mercado está mais complicado devido às restrições no crédito”. Ele prevê alta de 1,4% na produção de veículos em 2014, e de 1,1% nas vendas. A Rosenberg prevê queda de 2% na produção e de 3% nas vendas, enquanto a Tendências projeta recuo de 3,8% na produção e estabilidade nas vendas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.