Com o avanço da inflação e o cenário de recessão, o pesadelo que o Brasil enfrentou durante a década de 80, com preços descontrolados, voltou a assustar. Apesar da previsão do Banco Central, de que a inflação chegue no fim do ano acumulada em 9,25%, a realidade do consumidor em Curitiba é ainda pior.
Enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou inflação acumulada nos 12 últimos meses de 9,56% no País, a capital paranaense apresentou 10,63%, (ou 10,8% pelo Ipardes), a taxa mais alta entre as capitais. Faz 13 anos que a cidade não registrava inflação anual com dois dígitos. A última foi em 2002, com 12,66%.
Distante
No Brasil, o pior momento vivido sob o regime da hiperinflação ocorreu nos anos 80 e início dos anos 90, quando o índice ultrapassava 80% ao mês, o que fazia com que o mesmo produto custasse o dobro no mês seguinte.
Mas, segundo economistas, essa realidade ainda está muito distante. “O Brasil vinha de um momento próspero, com grandes investimentos na infraestrutura contraídos através de empréstimos internacionais e as coisas se complicaram com o desdobramento da crise do petróleo. Hoje, se analisarmos, o país está saindo de uma boa fase, porém sem ter contraído tantas dívidas”, compara o economista do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon-PR), Daniel Poit.
Pior pra quem ganha menos
Com aumento da energia elétrica, do combustível e de impostos, o custo de vida para o paranaense também subiu. “No Paraná, tivemos aumento do ICMS, de 25%, e do IPVA, de 40%. Isso explica por que o paranaense sente mais a inflação”, analisa o economista do Dieese, Fabiano Camargo da Silva.
Segundo ele, em função do sistema tributário nacional, que concentra a arrecadação em impostos sobre produtos e serviços, o cidadão de baixa renda acaba tendo mais gastos.
“O aumento da energia, além de impactar diretamente na conta de luz, também recaí sobre o consumo. Isso faz com que a pessoa que ganha pouco pague os mesmos tributos de quem ganha muito”, observa o economista.
Impacto
Enquanto o IPCA avalia a inflação para qualquer pessoa que ganhe até 40 salários mínimos, o economista acredita que a melhor maneira de calcular o impacto na vida do cidadão é pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede inflação com famílias que possuem rendimentos de um a cinco salários mínimos.
Antônio corria pro mercado, assim que recebia o salário. Foto: Felipe Rosa. |
“A inflação sempre vai ser mais pesada para quem tem um salário menor. Hoje, temos um cenário de salários congelados, ou sendo corrigidos abaixo da inflação. Com os preços subindo, o poder aquisitivo cai significativamente”, aponta.
Não dá pra esquecer
Antes da criação do Real, em 1994, a solução para tentar conter a inflação já fez com que o País trocasse seis vezes a moeda e 16 vezes o ministro da Fazenda. O cenário era tão caótico que muitas pessoas corriam para o mercado assim que recebiam o salário. “Lembro que quando recebia, chegava a sair com três carrinhos cheios de compra do mercado. Tinha que aproveitar, porque seu esperasse muito não conseg,uia encher nem meio carrinho, pois em uma semana você não sabia se o dinheiro ainda teria o mesmo valor”, lembra o jornaleiro Antônio Almir, 47 anos.
Etiquetas
Como os supermercados remarcavam diariamente os preços dos produtos, era comum ter várias etiquetas de preços remarcadas, umas sobre as outras. Nesta época, uma das imagens mais comuns era ver um funcionário do estabelecimento com a famosa maquininha de remarcação de preços. A cena chegou a traumatizar as pessoas.
Aprendendo com a crise
Viver nos anos de hiperinflação teve suas vantagens. “Quem passou por aquele aperto, pelo menos, aprendeu a trabalhar com dinheiro. Hoje, tenho minha banca há 14 anos e nunca precisei pedir empréstimos. O preço de praticamente tudo subiu, mas acredito que quem conseguir aguentar essa fase consegue recuperar no ano que vêm.
No comércio é sempre assim, tem tempo de vacas magras e de vacas gordas”, diz Antônio Almir.
Para quem ainda é muito novo para se lembrar do pesadelo da hiperinflação, a realidade também não tem sido fácil. “Até ano passado eu ainda conseguia fazer algumas compras no crédito, agora não tem como. O salário mal dá para as contas do mês”, diz o vendedor Altair Ceccon, 26 anos.