Em plena crise institucional provocada pelo uso das reservas do Banco Central argentino para o pagamento de dívida pública, a presidente Cristina Kirchner voltou a defender essa iniciativa e disse que não vai ceder. “A Argentina necessita imperiosamente sair do default para que nossas empresas possam conseguir financiamento mais barato em todas as partes do mundo”, disse a presidente. Segundo ela, o Fundo do Bicentenário, criado por decreto e formado por US$ 6,5 bilhões das reservas do banco central para pagar os vencimentos da dívida em 2010, “é chave para a Argentina ter acesso aos mercados de capitais”. Cristina criticou a especulação financeira e ressaltou que “alguns não querem” que ela “continue com a política de desendividamento” do país.
Ela argumentou que em 2006, quando o governo de seu marido, Néstor Kirchner (2003-2007) pagou quase US$ 10 bilhões do que devia ao Fundo Monetário Internacional (FMI), “foram usados os 100% das reservas de livre disponibilidade e agora o Fundo do Bicentenário só requer um terço das reservas excedentes”. O conceito mencionado por Kirchner diz respeito ao montante das reservas que ultrapassam o volume necessário para respaldar a base monetária. Atualmente, o BC possui US$ 47,9 bilhões de reservas e a base monetária gira em torno de US$ 32,3 bilhões. Neste caso, o BC teria, na teoria kirchnerista, US$ 15,6 bilhões de “excesso” de reservas.
O conceito é questionado pelos analistas locais. Boa parte deles considera que as reservas devem respaldar também as letras (Lebac) e notas (Nobac) emitidas pelo BC. A consultoria Ledesma & Associados afirma que as Lebac e Nobac com vencimento inferior a um ano de prazo equivalem a US$ 8 bilhões, o que baixaria as chamadas “reservas excedentes” para apenas US$ 7,7 bilhões. Somando os títulos com prazos superiores a um ano, o volume que deveria ser respaldado pelas reservas se elevaria a US$ 14 bilhões. A contabilidade aponta, nesse caso, para um “excedente” de reservas de apenas US$ 1,6 bilhão.
Contudo, Cristina ainda reclamou não entender a resistência contra o fundo, já que sua criação, segundo ela, “caiu bem em todos os setores relacionados aos mercados nacionais e internacionais”. A presidente destacou também que a dívida que ela quer pagar não foi contraída por seu governo. “A dívida se originou com os 10 anos do menemismo (em referência a Carlos Menem, que governou entre 1989 a 1999) e, mais tarde, com o corralito” que foi decretado em dezembro de 2001 e congelou os depósitos, durante a gestão de Fernando De La Rúa (União Cívica Radical em coligação com o antigo Frente País Solidário, cujos principais integrantes formaram a atual Coalizão Cívica).
Cristina confirmou que conhece os riscos que pairam sobre as reservas ao criticar os fundos especulativos, os quais “esperam para dar um golpe sobre a Argentina”. Mas a presidente também deixou claro que não tem a intenção de ceder em suas decisões. “A especulação financeira é um negócio importante, mas tenhamos muita tranquilidade e muita fé. Não teremos o melhor gênio do mundo, não seremos os mais simpáticos, mas eu lhes garanto que quando se trata de defender os interesses do país, de brigar pelos interesses dos argentinos contra outros interesses, não afrouxamos nem debaixo d’água”, afirmou em discurso durante anúncio de medidas para beneficiar os produtores de trigo, no final desta manhã.