Crises financeiras podem destruir casamentos

Um casamento ou união estável muitas vezes também significa uma junção de forças econômicas, com os rendimentos sendo somados e as despesas, divididas. Mas nem sempre é isso o que ocorre.

Casais que, com gastos novos e pouco planejamento, se perdem em dívidas são cada vez mais comuns, assim como as crises conjugais decorrentes desse tipo de problema. Nesse caso, uma terapia de casal sozinha nem sempre resolve o melhor é, mesmo, contratar também um economista ou administrador.

Para o especialista em finanças e professor Amilton Dalledone Filho, da FAE Centro Universitário, são duas as situações mais típicas: ou ambos já começam mal financeiramente e têm que correr atrás para arrumar suas condições, ou ambos vêm de um nível econômico satisfatório, mas ao se unirem, acabam não conseguindo administrar os gastos decorrentes da própria união.

No primeiro caso, a origem das dívidas é simples: “Desorganização. O casal gasta mais do que ganha”, explica Dalledone. E a solução também não envolve nenhuma mágica.

“É preciso gerenciar corretamente os gastos. Ou ajusta, ou quebra de vez”, observa. Na segunda situação, a saída, segundo o professor, normalmente é um pouco mais complicada, já que pode envolver mudanças mais radicais e para pior, no caso no padrão de vida do casal.

O professor da FAE diz que um pouco de planejamento, já no início de cada ano, pode fazer toda a diferença. É nessa época, lembra ele, que muitos impostos vencem e acumulam com as contas do cartão de crédito geradas no Natal, gastos de férias e feriados prolongados como o Carnaval e no caso dos casais com filhos estudantes despesas com material escolar. “É muito fácil se perder nessa época”, alerta, lembrando que é fundamental que o planejamento seja anual, e não mensal.

Outra dica importante de Dalledone é guardar de 10% a 15% por mês, para usar de reserva em caso de emergências, ou até para compras futuras, que podem ser pagas à vista com bons descontos.

Calcular sempre os juros antes de tomar empréstimos ou deixar de pagar uma conta é outra atitude valiosa. Não complicar também é bom: “Se tem várias contas em bancos, passe a ter uma só. Se tem vários cartões, fique só com um”, recomenda.

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O economista Carlos Magno Bittencourt, que também é conselheiro do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon-PR) e diretor do curso de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), acredita que um dos passos mais importantes está no fato de ambos os membros do casal trabalharem. “Depois, é interessante fazer uma planilha com todas as despesas da casa, e determinar quem vai pagar o que”, diz.

Se só um dos dois trabalhar, Bittencourt afirma que o rigor tem que ser ainda maior. Se cortes forem necessários, não tem jeito: “Aluguel, luz, água, telefone, entre outras contas, vêm por primeiro. Depois vem o lazer, a troca do carro e até gastos com enxoval e pagamento de uma previdência privada, por exemplo”, enumera.

No caso das dívidas persistirem, a solução do economista começa pelo membro mais “pé-no-chão” do casal. “Sempre tem um que segura os gastos mais que o outro. Este deve se esforçar para continuar com esse perfil”, observa.

A ideia é evitar que crises conjugais sejam causadas pelo dinheiro ou, no caso, a falta dele. “Um início de casamento com conflitos, cobradores na porta e sem crédito não é bom. É comum casamentos acabarem por causa disso”, afirma Bittencourt. Para ele, a interferência de um economista nesse tipo de caso é fundamental.

“Casais muitas vezes entram em conflito, não conseguem dialogar. Nessa hora é importante vir alguém de fora, que não vai entrar na questão íntima, emocional. Vai só ver os números”, conclui.

Contas eternas

Para o consultor financeiro e presidente da Associação Brasileira do Consumidor (ONG ABC), Marcelo Segredo, algumas das grandes culpadas do descontrole financeiro de casais e famílias são as chamadas “contas eternas”.

Segundo ele,, cada vez que uma família adere ao celular, à TV a cabo ou à internet, cria uma despesa permanente. Os custos, diferentes dos que duram só alguns meses, têm que ser contabilizados e o valor destinado a eles não pode ser contado para mais nada. A instituição, que tem sede em São Paulo, diz que atende diariamente dezenas de pessoas perdidas em dívidas e com problemas junto a credores.

Na maioria das vezes é preciso reeducar-se financeiramente

Mesmo sendo os casais jovens os mais suscetíveis a se perderem em dívidas, famílias já consolidadas e com filhos mais velhos não estão imunes ao problema. Foi mais ou menos o que aconteceu com um casal de Curitiba, para quem não faltava nem experiência, nem patrimônio.

Já aposentados, a esposa decidiu cursar faculdade e ingressou em uma instituição particular. O problema foi que isso aconteceu pouco depois que as filhas concluíram o curso superior, quando a família ainda pagava financiamentos das mensalidades.

Não teve jeito: as despesas explodiram, junto com a saúde da família, que entrou em parafuso, alternando momentos de desentendimentos com outros de desespero.

“Eles tinham uma situação patrimonial boa”, conta o economista Carlos Magno Bittencourt, que foi contratado pela família para ajudar a buscar uma saída do atoleiro.

O primeiro passo da “terapia”, então, foi fazer um levantamento das receitas da família e, ao mesmo tempo, do tamanho da dívida. Naquele ponto, os ganhos eram de cerca de R$ 5 mil mensais, enquanto os débitos passavam de R$ 7 mil. A solução tinha que ser mais drástica. “Vi que eles tinham, por exemplo, uma casa na praia. Aí sentei com eles e falei: “Vocês vão ter que se desfazer dela'”, lembra.

A conclusão do economista provocou, inicialmente, mais uma crise na família. “O marido não queria vender”, diz, lembrando que as discussões esquentaram, a ponto do pai de família, contrariado, abandonar no meio a reunião em que a solução foi proposta.

No entanto, depois de muita conversa, a família acabou decidindo por vender o imóvel em Curitiba mesmo. “Era uma casa em um terreno enorme, em uma região nobre. Venderam e foram para um apartamento menor”, afirma.

No fim das contas, Bittencourt observa que a família perdeu um pouco da liberdade que tinha mas, graças à venda da casa e a uma reeducação financeira, conseguiu sair da situação ruim. (HM)