A decisão da Abengoa de iniciar o processo de pré-recuperação judicial, um mecanismo previsto na lei espanhola que dá prazo de 90 dias antes da concordata, coloca ainda mais pressão sobre o já fragilizado segmento de transmissão brasileiro. Além do risco de o grupo espanhol não conseguir cumprir os prazos dos projetos em andamento, o número de potenciais interessados em futuros leilões encolhe ainda mais, justamente em um momento no qual o governo ambiciona licitar R$ 30 bilhões em projetos de transmissão ao longo de 2016.

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Embora esteja a um passo de pedir concordata, a Abengoa foi uma das empresas mais atuantes dos últimos leilões do País. Em julho passado, por exemplo, a companhia chegou a apresentar proposta para assumir a construção da segunda linha para escoar a energia de Belo Monte em direção ao Sudeste, mas foi superada pela State Grid. No ano passado, na disputa do primeiro linhão de Belo Monte, a Abengoa também havia sido superada pelos chineses, que formaram consórcio com as estatais Eletronorte e Furnas.

As derrotas recentes interromperam uma sequência de êxitos do grupo espanhol em anos anteriores. Desde o início da década, a Abengoa havia vencido a disputa por diferentes lotes, incluindo a construção de uma linha entre Pará e Tocantins. O projeto, composto por 1,761 mil quilômetros de extensão, será responsável pelo escoamento da energia de Belo Monte em direção ao Nordeste. O edital do leilão previa que o projeto estivesse concluído no decorrer de 2016, mas agora a obra está paralisada.

“É importante analisarmos a quantidade de obras em que a Abengoa está envolvida. São projetos estratégicos, como esse de Belo Monte, e já temos pessoas demitidas. É uma quebra do processo de expansão do setor elétrico”, afirma o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da UFRJ, Nivalde de Castro. Nesta semana, o Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, noticiou a demissão de 1.500 funcionários envolvidos no projeto de Belo Monte.

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Caso não consiga equacionar suas dificuldades financeiras, a Abengoa será mais uma empresa ausente dos leilões previstos para 2016. As empresas do grupo Eletrobras, também em situação financeira delicada, já não participaram das últimas disputas. A Cteep, grande empresa do segmento de transmissão, também permanece distante dos leilões.

Em comum, as duas empresas aguardam uma definição do governo sobre o pagamento de indenizações bilionárias ao setor de transmissão. A Eletrobras calcula que tem mais de R$ 20 bilhões a receber. A Cteep pleiteia R$ 5,2 bilhões e já condicionou a volta aos leilões à entrada desses recursos.

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“Pode ser que a quantidade de participantes no Brasil esteja comprometida e que falte fôlego aos empreendedores. Percebemos que existe uma oferta muito grande e uma redução substancial na quantidade de empreendedores”, afirmou o diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Reive Barros, em agosto passado. Pouco antes, a agência reguladora havia licitado apenas quatro de 11 lotes ofertados.

Duas semanas atrás, no mais recente leilão de transmissão do País, outro resultado aquém do esperado. Foram licitados apenas quatro dos 12 lotes ofertados. Entre os fracassos estavam, por exemplo, lotes incluídos em leilões pela segunda ou terceira vez, já com condições mais atrativas em termos de receita e prazo de construção.

Vendas

A dificuldade enfrentada pelos principais grupos do setor de transmissão do País abriu espaço para a consolidação da State Grid como principal player do setor no momento. O grupo chinês também é apontado como candidato natural aos ativos da Abengoa, caso a companhia opte pela venda dos projetos ou de participações nesses empreendimentos.

O eventual interesse da State Grid, contudo, está mais fundamentado no apetite da estatal chinesa do que no efetivo movimento de aproximação entre as empresas. Afinal, a Abengoa ingressou com pedido preliminar de proteção contra credores apenas no final de novembro, após ser informada que a Gonvarri Corporación Financiera não injetaria aproximadamente 350 milhões de euros na empresa.

Especialistas ouvidos pelo Broadcast acreditam que a delicada situação financeira do grupo espanhol pode ser o ponto de partida de uma disputa internacional por ativos da Abengoa, incluindo os mais de 20 projetos de transmissão existentes no Brasil – a Abengoa também opera pequenas unidades de geração no País.

“É provável que a Abengoa decida não gastar nada e comece a vender seus ativos. Há diversos interessados no mundo analisando a situação da empresa”, afirma o diretor da consultoria Andrade & Canellas, Silvio Areco. “O problema da Abengoa está no fato de que a companhia não consegue, através do Brasil, resolver sua situação em âmbito mundial”, complementa.

Dessa forma, uma eventual venda de ativos no Brasil poderia não ser suficiente para que a companhia desse andamento a todo o conjunto de obras licitadas em leilão nos últimos anos. Uma situação que seria agravada caso a Abengoa decidisse destinar os novos recursos para amenizar a situação de endividamento do grupo.

Para evitar que a venda de ativos por parte da Abengoa Brasil não resulte no simples repasse de recursos à matriz, a Aneel poderia adotar uma postura mais dura. “Se a situação das obras ficar complicada, a Aneel poderia retomar a concessão”, afirma a diretora da consultoria Thymos Energia, Thaís Prandini. Essa possibilidade, contudo, seria uma última opção, cogitada apenas após o fracasso das negociações entre Abengoa e Aneel. Representantes do grupo espanhol se reuniram nesta quarta-feira com representantes da agência reguladora. Após retomar a concessão, a agência precisaria voltar a relicitar os empreendimentos, um processo que seria demorado e resultado, de igual maneira, no atraso dos projetos.

Enquanto não é definido o futuro dos projetos da Abengoa, a situação dos funcionários e dos fornecedores da empresa permanece delicada. A analista da Lafis Consultoria, Thaís Virga, destaca que fornecedores e prestadores da linha Tocantins-Bahia já acumulam aproximadamente R$ 1 milhão em recursos a receber da empresa espanhola.