Crise abala bolsas e arrasta corretoras

“Para mim é como um videotape: já passei por várias crises”, explica Raymundo Magliano Filho, 69 anos de idade, apontando para um quadro emoldurado na parede onde se vê um gráfico do desempenho da Bolsa brasileira pontilhado pelos principais acontecimentos político e econômico mundiais desde a década de 60. Para Magliano, dono da corretora fundada pelo seu pai em 1927, a primeira da Bovespa, a crise financeira atual não é nem de longe a pior desde que começou a operar com ações há 53 anos, mas exigirá mudanças estratégicas para que a Magliano Corretora sobreviva ao que muitos preveem como o processo de consolidação nunca antes visto no setor.

A crise da dívida soberana da zona do euro, o colapso fiscal dos Estados Unidos e a forte desaceleração econômica nos países desenvolvidos afugentaram os investidores de ativos de maior risco, como as ações de empresas, derrubando o volume negociado na bolsa e a receita com a intermediação de compra e venda de papéis, o que deverá acelerar o desaparecimento de corretoras de valores no Brasil, muitas das quais por meio de fusões e aquisições.

“O ano de 2012 será um marco no mercado de corretagem no Brasil: será o ano da consolidação”, afirma o CEO da corretora ICAP Brasil, Alan Gandelman. Para ele, ao final desse processo de consolidação, que já começou, restarão apenas cerca de 30 corretoras de um total de 123 que operam ativamente no mercado hoje, sendo 78 delas nos segmentos BM&F(contratos futuros e derivativos) e Bovespa (renda variável e renda fixa), 11 apenas na BM&F e 34 apenas na Bovespa. “O problema das corretoras atualmente são as margens menores, os custos bem maiores e um volume de negociação que não cresce em razão da crise mundial, e essa conjuntura internacional na virada do ano deve ser bem complicada”, diz.

A Bolsa brasileira acumula queda de 18,78% neste ano até o fechamento de terça-feira, depois de ter subido apenas 1,05% durante todo o ano de 2010. Comparado com o pico do índice Bovespa, de 73.516,8 pontos, atingido em maio de 2008, portanto um pouco antes da crise financeira com o colapso do banco Lehman Brothers, a perda das ações brasileiras é de quase 24%. Nesse ambiente desanimador para os preços das ações, o volume negociado apenas no segmento de renda variável da BM&FBovespa caiu mais de 26% em setembro, para R$ 131,4 bilhões, ante o mês anterior e 6,8% comparado com igual mês de 2010.

Para Magliano, que foi presidente da Bovespa de 2001 a 2007, quando priorizou a popularização do investimento em ações, a crise deflagrada em 2008, apesar de aguda, não terá o efeito tão prolongado como, por exemplo, o estouro da bolha do mercado de capitais no Brasil no início da década de 70. Também conhecido como o “boom de 1971”, as bolsas do Rio e de São Paulo dispararam com as medidas para incentivar a aplicação em ações, a exemplo da criação dos antigos fundos 157, nos quais os contribuintes poderiam aplicar parte do Imposto de Renda devido.

“Com aquela crise, o mercado acionário perdeu a credibilidade perante o público e os efeitos da quebra da bolsa se prolongaram por muitos anos”, lembra Magliano. “Várias corretoras tiveram de fechar as portas, os prejuízos foram grandes e nós, por exemplo, tivemos de viver por muito tempo apenas de operações de câmbio e de renda fixa, negociando bônus rotativos, apólices da prefeitura, dívidas estaduais e municipais”, diz ele. Outro tempo difícil, segundo ele, foi o confisco da poupança pelo governo Fernando Collor, na década de 90, quando o impacto no mercado acionário forçou sua corretora a reduzir o número de empregados de 468 para cerca de 160.

Com a perspectiva agora nada animadora para a valorização das ações, num ambiente de desaceleração econômica e de queda nos lucros das empresas, fica mais difícil convencer novos investidores individuais a aplicar em bolsa de valores. A BM&FBovespa, inclusive, já adiou para 2018 a sua meta de atrair 5 milhões de investidores pessoa física entre 2010 e 2015. Hoje, há 593.311 investidores pessoa física registrados na bolsa. Mas esse número, em vez de crescer, vem caindo, pois ao final de 2010 o total de investidores individuais era de 610.915, o que atrapalha ainda mais o resultado das corretoras.

Consolidação

Nesse contexto, Gandelman, da ICAP Brasil, lista três perfis de corretoras que deverão continuar com as portas abertas ao final do processo de consolidação: as ligadas a bancos ou grandes instituições financeiras; as com suporte tecnológico e de capilaridade de um grupo estrangeiro, como é o caso da ICAP; e as corretoras tradicionais locais com base ampla de clientes. No segmento Bovespa, por exemplo, as 30 maiores corretoras detêm 88,7% do volume negociado, enquanto que no segmento BM&F, o de contratos futuros e de derivativos, as 20 maiores corretoras detêm uma participação de quase 92% do mercado.

A aposta de analistas é que as corretoras ligadas a bancos e a grupos estrangeiros atuarão como “full broker”, ou seja, oferecerão os serviços completos de uma corretora de valores. Já as corretoras independentes terão de se especializar em um nicho de mercado e não mais concorrer com o leque completo de serviços.

“A consolidação é um processo irreversível e saudável para o mercado”, diz o diretor da Bradesco Corretora, Anibal Cesar Jesus dos Santos. “A crise financeira já está fazendo com que isto aconteça”, explica. Segundo ele, as corretoras que atualmente possuem foco em um só produto devem se fundir a outras para ganhar escala, reduzindo custos. A Bradesco Corretora, no mercado desde 1967, criou o Bradesco BBI e a área de pesquisa para oferecer relatórios estruturados e assim atender não somente a clientes de varejo mas também investidores institucionais locais e estrangeiros. “Entendemos que o foco em produtos e serviços, mais a área de pesquisa forte e reconhecida, fará a diferença entre as corretoras, sem esquecer a parte de tecnologia na velocidade de execução das ordens que cada vez mais ganha importância na escolha da corretora pelos clientes”, diz Santos.

O número excessivo de corretoras operando no mercado acionário ainda é reflexo do período em que a Bovespa e a BM&F foram transformadas em sociedades anônimas, num processo chamado de “desmutualização”, resultando em enorme capitalização das corretoras que detinham títulos patrimoniais, ou cartas-patentes que lhes davam o direito de negociarem nas bolsas. Depois do anúncio de abertura de capital, os títulos patrimoniais da Bovespa, por exemplo, chegaram a ser negociados em leilões realizados em 2007 a um valor sete vezes maior do que o valor de face.

“Por mais dinheiro que se tenha ganhado com a desmutualização das bolsas, ninguém vai ficar queimando dinheiro num ambiente de mercado adverso”, diz Gandelman. “Hoje há corretoras que não têm ‘business'(negócio), e sim apenas uma placa e uma licença para operar, mas se hoje é mais fácil obter uma licença, então essas corretoras valem muito menos.”

A ICAP, segundo ele, está no lado comprador do processo de consolidação e a recente demissão de 60 funcionários não significa um retrocesso dos planos da corretora britânica no Brasil. Trata-se apenas de um processo de corte de gorduras, corriqueiro após fusões, quando há ganhos de sinergias, afirmou Gandelman. “A ICAP sempre comprou, nunca vendeu nada. O mercado sabe que nós somos compradores no mundo inteiro”, comenta Gandelman. Segundo ele, a corretora, que em 2008 comprou a Arke, “está olhando”, mas não há nada de concreto neste momento. “Se houver uma boa oportunidade, e o que a gente vê aí certamente é no varejo, com uma placa boa, uma base de cliente sólida, a gente não está fechado para isso”, afirma Gandelman.

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