A nota enviada na quarta-feira, 1, continha uma incorreção. O nome correto do entrevistado é Renato Folino, e não Renato Solino, como constou. Segue abaixo a nota corrigida.
A tributação do estoque dos fundos exclusivos, conforme o Projeto de Lei (PL) encaminhado ao Congresso Nacional pelo governo, deverá se tornar alvo de questionamentos na Justiça. O PL foi apresentado após fracasso da medida provisória (MP), no ano passado, e o governo federal tem como expectativa uma arrecadação de R$ 10,7 bilhões em 2019, fundamentalmente em torno do tributo sobre tal estoque. O imposto retroativo, contudo, é apontado como anticonstitucional por advogados.
As discussões em torno da tributação dos fundos exclusivos ganharam terreno em meio à necessidade do governo de aumentar suas receitas, diante do rombo das contas públicas. Esses fundos exclusivos têm um patrimônio líquido da ordem de R$ 380 bilhões. Desse bolo, R$ 51,5 bilhões são de investidores previdenciários, ou seja, isentos, conforme dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Excluindo os investidores previdenciários, a indústria de fundos possui atualmente 3.276 fundos exclusivos e fechados, ainda segundo a entidade. A tributação desse segmento é defendida por setores da sociedade, visto que ela permite arrecadação tributando uma pequena – e mais rica – parcela da população.
O projeto de lei prevê a cobrança do Imposto de Renda (IR) sobre o estoque acumulado de rendimentos desses fundos fechados até o dia 31 de maio de 2019. Além disso, o projeto institui a cobrança do “come-cotas”, uma espécie de antecipação da tributação, já que é recolhido antes do efetivo resgate, o que já ocorre junto aos fundos abertos.
Na visão do sócio do Velloza Advogados, Guilherme Cooke, a tributação do estoque dos fundos exclusivos é anticonstitucional, visto que a Constituição brasileira veda a instituição de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou majorado.
Escritórios de advocacia, que acompanham o tema desde o ano passado, já vinham se preparando juntamente com seus clientes para uma mudança das regras. O texto, segundo os profissionais, é basicamente o mesmo editado pelo governo federal na MP de 2017, fora alguns ajustes e esclarecimentos, realizados como fruto das discussões que ocorreram ao longo do último ano, depois da edição da MP sobre o tema.
Com o projeto de lei trazendo o assunto à mesa mais uma vez, o contribuinte deverá se apoiar na interpretação de que o valor da variação patrimonial desses fundos exclusivos não poderia ser capturado por nova tributação, destaca o sócio do escritório Mattos Filho, Flávio Mifano.
“Os pontos mais sensíveis (da MP) foram mantidos. O texto altera o regime de tributação sem observar os princípios da Constituição brasileira”, afirma a sócia da área tributária do escritório BMA, Thais Meira. Segundo ela, o texto será discutido judicialmente se for aprovado conforme o documento apresentado. “Outra questão é a insegurança jurídica para quem quer investir no Brasil”, diz.
Mifano, que participou da Comissão Mista que discutiu a medida provisória, lembrou que o relator da MP – o deputado Wellington Roberto (PR-PB) – foi sensível em relação à retroatividade da cobrança. O relator apresentou seu relatório, na ocasião, com mudanças ante o texto original e retirou a previsão de retroatividade da MP, para que a incidência do Imposto de Renda passasse a valer apenas para novos rendimentos e aplicações. No entanto, esse quesito sempre foi tratado como crucial para o governo, visto que a ausência da tributação dos estoques dos rendimentos anularia o incremento na arrecadação.
“O governo perdeu o interesse na Medida Provisória 806 quando se tirou o item sobre a tributação do estoque. Logo, isso não tem a ver com equalização da tributação”, afirma Cooke. “O governo resolve os R$ 10 bilhões agora (com a aprovação do PL), mas e o prejuízo em relação à percepção do investidor estrangeiro sobre o Brasil?”, questiona o advogado.
Segundo ele, o come-cotas também deverá ser objeto de ações judiciais. Essa cobrança já é realizada nos fundos abertos. “O come-cotas já é um problema jurídico. A antecipação do IR não está prevista na constituição”, afirma.
Preparo
Cooke afirma que, em meio a toda essa discussão em torno da tributação dos fundos fechados, já está pronta e no gatilho toda a documentação necessária em torno da reorganização dos fundos exclusivos, que será necessária se a mudança da tributação de fato ocorrer. Hoje, na atual estrutura, os investidores mantêm os fundos exclusivos como um “consolidador” de todas as suas estratégias de investimentos. Com uma eventual mudança, haverá uma cisão desses fundos, ou seja, os veículos serão separados por estratégia. Isso porque um fundo de investimento de ações, o FIA, por exemplo, não conta com o come-cotas – ou seja, ele precisará estar fora da estrutura do fundo exclusivo para não contar com essa tributação
Fernanda Calazans, sócia da área de consultoria tributária do Velloza Advogados, afirma que os escritórios já se preparam para essa demanda que deverá surgir para questionamentos da nova tributação na esfera judicial.
Dentre os pontos que foram esclarecidos no PL em relação à MP, afirma Calazans, está a diferenciação do Fundo de Investimento em Participações (FIP), utilizado como entidade de investimentos, daquela modalidade utilizada como uma holding patrimonial. Esses últimos sofrerão a incidência do imposto, se aprovado o texto. Os FIPs como entidade de investimento são os private equities (aqueles que compram participações em empresas) e que ficaram de fora.
O sócio do escritório Cândido Martins, Alamy Cândido, lembra que, ao contrário da medida provisória editada no ano passado, cujo modelo prevê a caducidade, o projeto de lei tem uma tramitação diferente e sem a pressão do prazo, muito embora o governo preveja a aprovação do texto este ano, para que a arrecadação já ocorra em 2019. “Ainda haverá discussão sobre o projeto de lei, que poderá sofrer alterações”, disse.
Já o responsável pela área de Planejamento Patrimonial pela XP Investimentos, Renato Folino, lembra que já estava claro que a discussão da tributação dos fundos exclusivos voltaria à pauta depois da caducidade da MP, exatamente sob o prisma da questão fiscal do País. No entanto, Folino afirma que o governo poderá encontrar dificuldades em passar o texto neste ano eleitoral, visto que o tema – em especial no que tange à tributação do estoque – já havia sido um ponto que tinha sofrido elevada rejeição.