A economia brasileira começará o governo de Luiz Inácio Lula da Silva com a maior taxa básica de juros desde maio de 1999. Ontem, na última reunião comandada pelo presidente do Banco Central, Armínio Fraga, o Copom (Comitê de Política Monetária) elevou a taxa Selic de 22% para 25% ao ano, sem viés, ou seja, para mexer na taxa Selic novamente antes da reunião de janeiro, só se for convocado um encontro extraordinário. A maioria dos analistas apostava em alta para 24%.
Em outubro, em reunião extraodinária, o Copom aumentou a Selic de 18% para 21% ao ano. Na reunião ordinária de novembro, os integrantes do Copom aumentaram, por unanimidade, os juros novamente, para 22% ao ano. Em novembro, o Copom justificou a elevação dos juros com o aumento das expectativas de inflação para 2003.
“O aumento da inflação desde a última reunião do Copom aliado ao nível ainda elevado da inflação esperada levou o Copom a aumentar a taxa Selic para 25% ao ano. A decisão foi unânime”, informou o BC no comunicado divulgado ao final da reunião.
Apesar da segunda prévia de dezembro do IGP-M (Índice Geral de Preços ao Mercado) sinalizar desaceleração do ritmo de alta dos preços, o aumento acumulado no ano – de 24,72% – é o maior em oito anos.
Além disso, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), utilizado pelo governo para acertar as metas de inflação com o FMI (Fundo Monetário Internacional), já ultrapassou os dois dígitos e certamente vai estourar o limite máximo da meta para este ano, de 9%.
A decisão do Copom de ontem mostra a preocupação do atual governo em não deixar que a inflação fuja do controle também no próximo ano.
A meta oficial de inflação para este ano é de 3,5% centrais, mas há tolerância de dois pontos percentuais e pode chegar a a 5,5%. Para o ano que vem, a meta central é de 4% e pode chegar a 6,5%. O governo acertou outras metas com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para este ano, 6,5%, podendo chegar a 9%. Para 2003, 5%, podendo chegar a 7,5%. Na mais recente pesquisa Focus, finalizada em 13 de dezembro e divulgada nesta segunda-feira pelo Banco Central, as cerca de cem instituições financeiras entrevistadas aumentaram, em média, as projeções para os índices de inflação de dezembro e do acumulado de 2002.
Dólar em queda perto dos R$ 3,50
São Paulo (AG) – O dólar à vista conquistou sua quarta queda consecutiva ao fechar, ontem, cotado a R$ 3,520 na compra e R$ 3,525 na venda, com desvalorização de 1,40% frente ao real. O otimismo com as definições no cenário político e a expectativa de retomada do crédito externo ao país continuaram dando o tom dos negócios, no dia em que o Copom elevou os juros básicos da economia de 22% para 25% ao ano.
A moeda americana acumula queda de 7% nos últimos quatro dias e o mercado volta a falar em rompimento do patamar dos R$ 3,50, principalmente se o fluxo cambial continuar positivo. Os investidores ficaram satisfeitos com o discurso de Henrique Meirelles na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, onde foi sabatinado ontem. O ex-presidente do BankBoston teve uma postura segura e garantiu o cumprimento de metas da atual gestão.
Mas o principal destaque do dia foi a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), a última sob o comando de Armínio Fraga. O comitê elevou a taxa Selic de 22% para 25% ao ano. A elevação de três pontos percentuais não chegou a surpreender, apesar de ter ficado no teto das apostas do mercado. O objetivo do terceiro aumento seguido foi conter a pressão inflacionária, que põe em risco a estabilidade econômica.
– O mercado interpretou bem a medida e podemos ver que o dólar respondeu com queda ao anúncio. Mesmo no mercado de juros, diretamente influenciado pela alta da Selic, podemos ver que os ajustes são maiores nos vencimentos mais curtos. Os mais longos pouco se alteraram depois do anúncio – afirmou Renato Ramos, diretor de renda fixa do HSBC Investment Bank.
Segundo Francisco Gimenez Neto, diretor da corretora NGO, a tendência do dólar é mesmo de baixa, porque as empresas estão captando recursos no exterior e os bancos estão desmontando posições. Mas mesmo assim, diz, haverá uma resistência no patamar dos R$ 3,50, que já pôde ser observada hoje.
– Esse comportamento é natural, uma vez que a moeda já vem de outras quedas significativas e o mercado aguarda o vencimento de uma dívida cambial de mais de US$ 2 bilhões nos próximos dias – afirmou.
Transição articulou a decisão do Copom
O vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PSDB-RR), revelou ontem que a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de aumentar a taxa de juros foi uma solução articulada entre o atual governo e a equipe de transição do PT. “Isso demonstra sintonia com o discurso que vem sendo feito pelo futuro ministro da Fazenda, Antônio Palocci e o presidente indicado para o Banco Central, Henrique Meirelles.” Essa articulação não é nova. Na véspera da reunião do Copom de novembro, já havia ocorrido uma conversa sobre a necessidade de aumento dos juros entre o então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, e Palocci.
A decisão de aumentar a taxa Selic em três pontos porcentuais, sem viés, já era esperada, embora alguns analistas esperassem uma “puxada” menor. O comportamento da inflação continua preocupando. Palocci disse nesta semana que a queda nos índices de inflação registrada nos últimos dias não é suficiente para concluir que a “bolha inflacionária” tenha sido derrotada. Com isso, sugeriu ser necessário uma medida mais dura de política monetária para tentar conter a alta dos preços.
A alta também foi apoiada pelo líder do governo na Câmara, Arnaldo Madeira (PSDB-SP). “Embora seja um ônus pesado, o pior seria deixar a inflação voltar”, disse. Segundo ele, é preciso usar todos os instrumentos, “por mais duros que sejam” para conter os índices.
Um tratamento técnico para a inflação foi o ponto mais frisado pelo presidente indicado do Banco Central, Henrique Meirelles, em sua sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, anteontem à noite. Ele deixou claro aos senadores que o novo governo não hesitará em elevar a taxa, sempre que a inflação indicar tendência de alta.
Palocci, por sua vez, declarou que não pretende tecer comentários sobre taxa de juros ao longo dos próximos anos. “É o Copom que define a política monetária”, disse. Trata-se de um importante recado para o mercado financeiro, de que não haverá interferência do futuro governo nesse campo. “Vamos confiar que o Copom tenha capacidade, comando, e decida de forma adequada.”
A intenção de não impor restrições políticas ao trabalho do Copom foi reafirmada, ainda, com o anúncio que o novo governo enviará um projeto de lei dando autonomia operacional ao Banco Central e fixando mandato para o presidente e os diretores (que pode ser de quatro ou cinco anos, o que ainda não está definido).
Não tardou, porém, para a alta dos juros ter repercussão política no Congresso. O vice-líder do PT na Câmara, Walter Pinheiro, considerou o aumento dos juros básicos de 22% para 25% um “efeito Meirelles”. Ele acha que as declarações do presidente indicado do BC, apoiando a atual política monetária, criou espaço para a alta dos juros. No entanto, essa avaliação é só de parte do PT. O governador do Acre, Jorge Viana, afirmou que o aumento da taxa Selic é uma medida “dura e drástica”, mas que tem como objetivo manter o atual cenário econômico. “Isso é uma medida de quem não quer mexer em nada e não quer alterar o quadro atual”, declarou o governador.
O aumento para 25% da taxa Selic transfere, na opinião do governador, o desafio de reconstruir o processo de crescimento econômico no País para o novo governo. No entendimento de Viana, somente com a retomada do crescimento econômico será possível reduzir os juros básicos da economia brasileira.