Contas públicas estão sob sinal amarelo

Especialistas em contas públicas podem discordar em um ou em outro detalhe técnico em relação ao cálculo do superávit primário. Há quem entenda que se um Refis é realizado todos os anos, deixou de ser eventual e é um dinheiro legítimo para fechar as contas públicas. Para outros, a renegociação de débitos tributários com descontos generosos nem deveria existir, porque trata como tolo quem paga impostos em dia. Considerá-lo no superávit, então, nem pensar. Saindo do árido campo da contabilidade, hoje é consenso entre eles que as demonstrações contábeis, por diferentes razões, inspiram cuidados. “Há um sinal amarelo nas contas públicas”, diz o consultor Raul Velloso, especialista em finanças públicas.

O aumento de restos a pagar preocupa demais Velloso. “Restos a pagar é o último recurso da administração pública para fechar as contas e é uma ferramenta admissível para prefeituras e alguns Estados com limitações para fazer caixa ou tomar empréstimos”, diz. “Mas a União, que dá o exemplo e é a grande responsável pelo superávit, deve ter sobra de caixa e não deveria ter de passar para frente as despesas.”

O que mais preocupa Velloso é a eventual herança desse tipo de postura. “Pela Lei de Responsabilidade Fiscal, uma gestão não pode deixar restos a pagar para a gestão seguinte”, diz o consultor.

Mas Velloso considera os restos a pagar um “ator menor” na questão. Mensalmente, ele observa receitas e despesas da administração pública e tem convicção matemática de que em algum momento a conta não vai fechar.

Segundo ele, até 2008, ambas cresciam a taxas médias anuais de 9%. De lá para cá se estabeleceu um descompasso entre elas. As despesas aumentam cerca de 6% ao ano, enquanto as receitas não passam de 3%. Em alguns meses chegam a ser negativas. “Não podemos continuar fugindo do cerne dessa discussão”, diz Velloso. “O problema é o modelo: o crescimento está baixo, as receitas caem, mas o governo insiste em não cortar gastos.”

O economista Amir Khair, ex-secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo na gestão petista de Luiza Erundina, segue a mesma linha de raciocínio: “A União é vítima de sua política econômica”. Por ter visto a gestão pública por dentro, Khair identifica que elevar restos a pagar nunca é um sinal confortável porque indica, por qualquer razão que seja, que pagamentos estão sendo protelados.

O que mais chama a sua atenção é saber que um volume tão elevado de subvenções e subsídios a bancos públicos (os R$ 21 bilhões identificados no estudo da Tendências) esteja registrado como “restos a pagar não processados”. “Não é possível: se o dinheiro foi para banco e entrou, é despesa efetiva e precisa ser registrada no primário”, diz Khair. “Se algo diferente está acontecendo, com ou sem lei que permita, é estranho – e é ruim”, diz. Na avaliação dele, essa sistemática piora a já questionada falta de transparência das contas nacionais porque não fica claro, afinal, quanto se gasta.

Esqueletos

Em retrospecto, o Brasil já se deu mal com a falta de transparência. Quem lembra é Gabriel Barros Leal, analista de Finanças Públicas e Crédito do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Nos anos 80 e início dos 90, estratégias como congelamento de tarifas, uso indevido do caixa de bancos públicos e maquiagem de déficits orçamentários de Estados e municípios geraram esqueletos bilionários.

“O que vemos nas contas públicas hoje não é uma mera questão tecnocrática de como fazer ou não superávit”, diz Leal. “Temos visto uma aposta em um tipo de crescimento que não deu certo e o governo se aproveita de brechas legais nas contas públicas para não mostrar o que não vai bem”, diz. Na sua avaliação, boa parte das polêmicas quanto à contabilidade criativa se resolveria com uma modernização do arcabouço legal. “O que precisa ser feito é uma reforma estrutural que atualize a esfera fiscal – isso faria um enorme bem ao Brasil.”As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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