O governo aprovou um novo preço de referência para permitir a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3. Pela resolução, a tarifa do empreendimento será de R$ 480,00 por megawatt-hora (MWh), bem maior que a atual, de R$ 243,00 por MWh. A decisão foi tomada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), colegiado formado pelos ministros de Estado, dentre os quais o Ministério de Minas e Energia e o Ministério da Fazenda.

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O novo valor estaria alinhado aos preços da energia produzida por novas usinas nucleares no exterior. A escolha da resolução mostra que o governo adotou o caminho intermediário, já que tem mais força que um ofício, mas menos do que uma portaria. Trata-se do pontapé inicial para a renegociação das dívidas da usina com o BNDES e Caixa, financiadores do empreendimento.

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Paralelamente, o governo vai começar a modelar o processo para a escolha de um novo parceiro privado para finalizar a obra, já que a Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, não tem condições de tocar o projeto sozinha. Escolhido o modelo e o parceiro, o governo poderá propor a alteração do preço do contrato de energia de reserva.

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A expectativa, segundo fontes, é que o processo de escolha do parceiro seja competitivo e permita um deságio no preço de referência, que funcionaria como um teto. Pelo menos cinco grupos internacionais teriam interesse na usina.

Os bancos públicos se comprometeram a conceder um waiver (quando a companhia pede perdão pelo descumprimento de cláusulas previstas nos contratos de emissão de dívida) para o financiamento de Angra 3, mas ele só terá validade a partir de março de 2020, quando o edital deve ser publicado. Trata-se de um incentivo para que o edital seja publicado antes de março de 2020.

Até lá, a Eletronuclear terá que continuar a pagar as parcelas do financiamento integralmente – cerca de R$ 80 milhões por mês aos dois bancos. Isso porque os bancos já concederam waiver em outras duas ocasiões anteriores, mas a Eletrobras não teria cumprido sua parte nos acordos.

Na semana passada, a reunião do CNPE foi cancelada diante da falta de consenso sobre o tratamento a ser dado à tarifa. A revisão do preço era considerada fundamental para a retomada das obras, paralisadas desde 2015, após o abandono das construtoras, envolvidas em denúncias de corrupção da Operação Lava Jato.

O Ministério da Fazenda cobrou estudos técnicos que dessem respaldo ao colegiado. No governo, havia temor de que o Tribunal de Contas da União (TCU) questionasse os critérios da decisão. Uma nota técnica do próprio MME, elaborada em 2016, dizia não haver respaldo para qualquer reajuste na tarifa de Angra 3, pois o custo do empreendimento pode ter sido influenciado “por eventuais práticas de superfaturamento”.

A Eletrobras prevê que Angra 3 seja entregue em 2026. Segundo a companhia, os financiamentos tomados para Angra 3 eram subsidiados e consideravam 92% do custo da obra, enquanto a praxe, no setor, é de 60% a 70%.

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, defendeu a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3. “Meu posicionamento é claro. Já passamos da discussão sobre se Angra é viável ou não no estágio em que temos o ativo lá. Acho que o poder público e a regulação precisam encontrar uma equação financeira para viabilizar Angra”, afirmou Pepitone.

Para Pepitone, como a usina está 63% concluída, “não se tem mais dúvidas sobre se avança ou não avança”. “Estamos nos ‘finalmente’ e precisamos encontrar uma modelagem adequada, conversando com todos os segmentos da sociedade, governo, regulador e todos os atores envolvidos para achar uma modelagem equilibrada do ponto de vista econômico e financeiro que viabilize Angra. O fato é que Angra precisa ser viabilizada. Não tem como voltar atrás”, disse.

Angra 3

Projeto do período militar, Angra 3 começou a ser erguida em 1984. Suas obras prosseguiram até 1986, quando foram paralisadas devido a dificuldades políticas e econômicas, após a explosão do reator da usina de Chernobyl, na Ucrânia.

O projeto brasileiro ficou na gaveta por 25 anos, até ser retomado em 2009 como um dos destaques do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Naquele ano, o custo estimado para o término do projeto era de R$ 8,3 bilhões. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometia colocar a usina para funcionar em maio de 2014. Investigações realizadas pela Polícia Federal descobriram desvios de recursos na obra e resultaram na prisão de executivos da Eletronuclear.

Com os R$ 15 bilhões estimados como necessários para concluir a usina, o gasto total com Angra 3 somaria mais de R$ 20 bilhões. A usina terá potência de 1.405 megawatts (MW). Para se ter uma ideia do que isso significa, a hidrelétrica de Teles Pires, na divisa entre Mato Grosso e Pará, que tem potência de 1.820 MW e entrou em operação no fim de 2015, custou R$ 3,9 bilhões.