A baixa liquidez do mercado brasileiro e o pessimismo em relação ao futuro do mercado acionário local levam algumas companhias com intenção de abrir capital a desembarcarem em Nova York. O objetivo, nesse momento, é entender mais sobre o processo de emissão de ações por lá para posteriormente contemplarem a alternativa em ofertas iniciais ou subsequente de papéis. Alex Ibrahim, vice-presidente para América Latina e Caribe da Nyse Euronext, nota o aumento da procura dessas companhias sobre a listagem nos Estados Unidos e diz que já conversou com diversas delas a respeito.
“Estive no Brasil em dezembro e já conversamos com diversas companhias. Outros executivos nos procuraram aqui”, afirma Ibrahim, que espera para o futuro o retorno da dupla listagem, que é quando uma empresa realiza a emissão de ações no mercado local e simultaneamente no exterior. Hoje são 27 companhias brasileiras com American Depositary Receipts (ADR) negociadas na Nyse. No total, segundo dados da gestora BNY Mellon, são 136 ADRs brasileiras, incluindo, neste número, aquelas no OTC, que é o mercado de balcão. Dados da gestora mostram ainda que, em volume negociado, o Brasil liderou a ranking dos países com ADRs listadas no ano passado, com US$ 37,2 bilhões, seguido da China e Rússia.
Ibrahim, da Nyse, diz ainda que, além da dupla listagem (dual listing), algumas empresas, de segmentos específicos, como tecnologia e agronegócios, estão estudando abrir capital somente em Nova York. “Aqui essas companhias encontraram ‘pares’ já listados e poderão contar ainda com fundos que investem especificamente nesses segmentos econômicos”, diz. A opção faz sentido para empresas de tecnologia, por exemplo, conseguirem por lá um melhor valuation da oferta, conforme observa o sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, Alexandre Barreto.
A alternativa de emitir lá fora se mostra atraente principalmente após a deterioração da percepção em relação ao mercado acionário do Brasil. A maior liquidez das ações facilita, inclusive, a captação de recursos no mercado de dívida.
A dupla listagem já faz parte da pauta, principalmente, das companhias que já possuem papéis na bolsa brasileira, de acordo com o advogado especialista em mercado de capitais do escritório Mattos Filho, Jean Marcel Arakawa. Ele observa ainda que a operação é válida, em especial, para grandes companhias. “A operação custa caro e isso é um limitador para boa parte das empresas”, diz. Além disso, a empresa irá se deparar com um ambiente regulatório diferente, com exigências adicionais, atenta Bruce Mescher, sócio responsável pela área de IFRS e Offerings Services da Deloitte no Brasil.
A Aracruz Celulose, que em 2009, após fusão com a VCP, resultou na Fibria, foi a primeira companhia brasileira a lançar ADRs de “nível 3”, ou seja, em que há uma oferta pública, em 1992. Já a última ADR lançada na Nyse foi a da Brasil Agro, no fim de 2012. Antes disso houve uma emissão em 2009 (Santander Brasil), uma em 2006 (TAM) e duas em 2004 (CPFL Energia e Gol). A emissão de ADRs rarearam depois do advento do Novo Mercado, segmento que abriu as portas para o investimento do estrangeiro direto no Brasil.
Sem janela
Por aqui, entre as empresas que já protocolaram pedidos de abertura de capital na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a companhia aérea Azul informou que, quando a operação for a mercado, também emitirá recibos lá fora. A oferta, anunciada no fim do ano passado, foi suspensa diante do cenário desfavorável para a colocação dos papéis. A percepção geral é de mais um ano difícil, a exemplo de 2014, quando só a companhia do setor veterinário Ourofino abriu o capital.
Especialistas acreditam que, quando a janela de oportunidade se abrir para emissões, as ofertas que deverão ter espaço serão de companhias de médio porte, que não se enquadram no perfil das ADRs. Essas empresas devem se valer das medidas de incentivo anunciadas no ano passado para incentivar o acesso de pequenas e médias ao mercado de capitais. Assim, conforme acredita Arakawa, do Mattos Filho, listagens duplas serão mais frequentes nos próximos cinco anos.
O processo para uma eventual listagem nos Estados Unidos, no entanto, também depende de uma janela de oportunidade, frisa Ibrahim, da Nyse. Segundo ele, mesmo as empresas norte-americanas estão com suas ofertas em compasso de espera. Neste ano nos Estados Unidos foram 27 IPOs, que movimentaram US$ 4,667 bilhões, queda anual de 36% e de 44%, respectivamente, de acordo com dados da Dealogic. A expectativa é que, por lá, a janela se abra no final da divulgações dos resultados do quarto trimestre.