A administradora de empresas Sara Ramos Aurélio, de 24 anos, tinha, em maio deste ano, dívidas em atraso de R$ 7 mil entre cheque especial e cartão de crédito. Ela gastou com roupas, celular, viagens, restaurantes e acumulou pendências incompatíveis com a sua renda mensal de R$ 5 mil. “Em maio, cheguei ao meu limite”, conta. A saída foi buscar R$ 8 mil em uma linha de crédito mais barata, o consignado, para se livrar da dívida antiga e mais cara.
Agora, por três anos, todo mês o banco vai descontar R$ 280 diretamente do seu salário para ir quitando o novo financiamento. “O juro menor me motivou a renegociar a dívida”, diz.
Foi o que deu coragem à administradora para assumir, na semana passada, um financiamento de 30 anos para a compra da casa própria, avaliada em um pouco mais de R$ 200 mil.
Sara engrossa as estatísticas de milhões de brasileiros que procuraram crédito neste ano. Até agosto, a demanda do consumidor por financiamentos teve a maior expansão dos últimos nove anos.
Desde janeiro, o aumento do número de pessoas que buscaram crédito foi de 10,3%, em relação a igual período do ano passado, segundo a empresa de informações financeiras Serasa Experian. Essa marca só foi superada em 2010, quando a procura avançou 16,4% – mas em uma economia que cresceu 7,5%.
Juros ao consumidor em queda (mesmo que num ritmo muito mais lento do que o recuo da taxa básica de juros, a Selic), inflação bem comportada (que dá mais poder de compra), e emprego em lenta recuperação estão entre os motivos que têm levado mais brasileiros a buscar financiamentos.
A maior procura é por linhas que emprestam dinheiro vivo. Dados do Banco Central mostram que a concessão de crédito destinada a renegociação de dívidas cresceu 32,9% entre janeiro e agosto, em relação aos mesmos meses de 2018, e liderou o ranking dos financiamentos aprovados a pessoas físicas com recursos livres no período.
Na vice-liderança está o crédito consignado, com avanço de 32,5%, seguido pelo cartão de crédito parcelado (30,5%) e o crédito pessoal (22,3%). Já as concessões para a compra de bens de maior valor que ampliam o patrimônio também aumentaram, porém em ritmo mais moderado. As aprovações de crédito para a compra de veículos cresceram 18,8% entre janeiro e agosto, na comparação anual, e os financiamentos imobiliários avançaram 8,8%.
“Os novos recursos vindos do crédito estão sendo usados sobretudo para renegociar dívidas antigas pendentes e complementar o orçamento das famílias, que continua apertado”, afirma o economista-chefe da Serasa Experian, Luiz Rabi.
“Muita gente está substituindo dívida mais cara por uma mais barata e existe mais qualidade na decisão da tomada de crédito”, observa Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi, associação que reúne as financeiras. Na sua avaliação, o brasileiro está atrás dinheiro tanto para pagar dívidas como para complementar o orçamento. “O crédito para consumo cresce também, mas é mais comedido.”
Juros
Desde o fim de 2016 até hoje a taxa básica de juros caiu abaixo da metade, de 14% para 5,5% ao ano. No mesmo período, o juro ao consumidor recuou quase um terço, de 74,48% para 52,06% ao ano.
Neste ano, a redução de um ponto porcentual na Selic ajudou, na avaliação de Rabi, nas linhas de crédito de renegociação de dívidas, cujo juro era de 4% ao mês em janeiro e caiu para 3,6% em agosto.
O BC vem cortando a taxa básica, mas reduções na mesma proporção não estão acontecendo nos juros na ponta porque, na avaliação de Rabi, o canal do crédito está obstruído pela própria situação difícil que se encontra o consumidor.
Pesquisa da Serasa mostra que há no País 63 milhões de brasileiros com dívidas em atraso. Inclusive, acrescenta o economista, a inadimplência da pessoa física dentro dos bancos tem subido ligeiramente nos últimos meses. “Não dá para imaginar que a redução da Selic vá gerar um impulso muito grande de consumo e possa reativar rapidamente a economia. Antes disso, as pessoas estão resolvendo os seus problemas de endividamento e inadimplência.”
Ovos de ouro
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fabio Bentes, diz que a taxa de juros não caiu o suficiente para explicar a maior demanda por crédito. “O que o mercado está fazendo para não matar a galinha dos ovos de ouro é ampliar prazo.”
Cálculos realizados por Bentes a partir de dados do BC mostram que o prazo médio para aquisição de bens subiu cerca de 10% nos últimos 12 meses até agosto. O economista pondera que esse aumento de prazo ajuda a reduzir o valor da prestação e impulsiona a venda. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.