Com avanço fiscal significativo, juro poderia cair a um dígito em 18 meses

Algumas medidas significativas no sentido de uma melhora fiscal, com o resultado primário indo para perto de zero no horizonte relevante, podem abrir espaço para o Brasil ter juros de um dígito em cerca de 18 meses, segundo avaliação feita pelo economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, em entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado. Essa possibilidade considera os modelos econométricos do banco, mas depende, além dos avanços fiscais, de um quadro político favorável.

“O desenho futuro da política monetária remete a uma conjectura difícil, que depende de cenário fiscal e também do ambiente político”, diz. Atualmente, Kawall ainda mantém a projeção de que a Selic encerre o ano em 13,25%, mas destaca que “estamos revisando o cenário para a possibilidade de (a Selic) cair além disso”.

Esse quadro se desenha, segundo ele, sob a perspectiva de fatores como o movimento recente de baixa do dólar ante o real e a distensão da inflação de serviços. Esse segmento vem mostrando desaceleração contínua nos últimos meses, impactado pela fraqueza da economia. No Índice Nacional de Preços ao Consumidor – 15 (IPCA-15) de abril, a taxa da inflação de serviços no acumulado dos últimos 12 meses voltou a perder força, indo de 7,80%, em março, para 7,24%, segundo cálculos do mercado.

Ele lembra que, no cenário de referência do Banco Central, presente no Relatório Trimestral de Inflação de março, a estimativa para o IPCA no fim de 2017 estava em 4,9%, considerando o câmbio em R$ 3,70. “Agora, na ata (da última reunião do Copom), o BC pode até dizer que suas projeções recuaram, diante do movimento do dólar e da melhora de expectativas”. Nos cálculos do Banco Safra, esses dois fatores poderiam jogar o IPCA em 4,6% no fim de 2017, no modelo do BC, o que já significaria um nível muito próximo ao centro da meta.

Para o cenário de mercado, o câmbio ainda estava acima de R$ 4 no RTI, mais precisamente em R$ 4,30. Por esse quadro, o IPCA no fim do próximo ano estaria em 5,4%. Mas o câmbio corrente e as projeções para ele mudaram muito em pouco mais de um mês, pondera o economista do Safra.

Ainda assim, por ora, Kawall aposta que um primeiro corte da Selic, da ordem de 0,25 ponto porcentual, viria somente no encontro de julho do Copom. Ele avalia que a isso pode ser intensificado, a depender de diversos fatores, mas acredita que a “ata vai manter o discurso de manutenção dos juros, na linha de que ainda há um pouco mais de trabalho a ser feito em termos de melhora de expectativas”.

O ex-secretário do Tesouro acredita que o documento do BC, a ser divulgado na próxima quinta-feira, pode trazer mensagens importantes: ao mesmo tempo em que os diretores do BC ainda não devem indicar a possibilidade de corte de juros em um futuro previsível, tendem a destacar que a política monetária começa a surtir efeito, dada a “trajetória mais benigna da inflação corrente”, o que também ajuda a justificar a migração dos dois votos dissidentes em reuniões anteriores para a unanimidade.

Fiscal

É essa melhora da trajetória da inflação que, se somada a eventuais e “significativos” avanços fiscais, também ajuda na possibilidade de um juro inferior a 10% em 18 meses. Kawall explica que um resultado primário perto de zero significaria uma grande contração fiscal nesse horizonte, da ordem de 2 pontos porcentuais. “A soma disso com um cenário de fraqueza econômica e hiato do produto bastante aberto poderia gerar uma força que requeresse até mesmo um juro ‘estimulativo'”, disse.

Por fim, Kawall destaca a trajetória “acentuada” de desalavancagem do crédito, “algo que está acontecendo com certa rapidez no segmento direcionado, alvo de fortes estímulos nos últimos anos”. “Essa desaceleração mais forte dos empréstimos direcionados ocorre por conta da característica pró-cíclica desses recursos, destinados principalmente aos investimentos. Mas como o investimento está caindo, esse crédito entra em uma trajetória de queda acentuada”, explica.

Esse cenário recente, continua o ex-secretário do Tesouro, acrescentaria um pouco de tração à política monetária. Kawall cita um trabalho, colocado para discussão no site do Banco Central em março, dos economistas Marco Bonomo e Bruno Martins. Eles fazem uma relação entre o crédito direcionado e a transmissão da política monetária, indicando que, quanto maiores são as operações carimbadas, mais se reduz o efeito da política monetária.

Isso porque, as altas do juro básico, que deveriam reduzir a oferta de crédito, perdem eficiência, uma vez que muitos tomadores têm acesso ao crédito em condições mais favoráveis, continuam se endividando e diminuindo os efeitos da contração monetária sobre a atividade econômica. “Assim, podemos ter melhora da eficácia da política monetária, com possível queda do juro real neutro”, sintetiza Kawall.

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